Ensaio: Desenvolvimento humano “cumulativo”
Ensaio: Desenvolvimento humano “cumulativo”
Lendo um livro sobre a Psicologia do Envelhecimento e imerso em muitas reflexões devido a um estágio num Lar de Idosos, onde ouço muitas histórias de vida, além de observar a existência em seu ápice – ou não – e ainda, lembrando de algumas teorias já estudadas nas aulas de Psicologia,
acabou me “pulando” uma intuição/uma pergunta, qual seja: será que, em vez de irmos progredindo em nosso desenvolvimento humano através de estágios, níveis ou fases sucessivas, não vamos acumulando-os?
Claro que há diferença entre o desenvolvimento orgânico/físico, o cognitivo/mental e o psíquico/emocional. E convém deixar claro que estou me referindo ao nosso desenvolvimento psíquico-emocional. Mas, também é preciso enfatizar, que essas nossas três “dimensões” estão interligadas e se afetam mutua e continuamente ao longo da vida de cada pessoa.
Separado-as, pode-se dizer que a Biologia já explicou que o corpo vai PROGREDINDO no seu desenvolvimento, ou seja, passamos do estado de feto (intrauterino) ao de criança (extrauterino), seguindo ao estado da adolescência, depois a fase adulta e por fim, a velhice, até ocorrer a falência desse corpo orgânico (um pós-orgânico?).
Em relação ao desenvolvimento cognitivo também há muitas teorias, penso que a mais estudada seja a de Piaget. Para ele, vamos PROGREDINDO – ou cada pessoa deveria progredir - no desenvolvimento cognitivo” começando no estágio sensório-motor (do nascimento até aproximadamente os 2 anos), seguindo para o pré-operacional (dois a sete anos), passando para o operacional concreto (sete aos 12 anos), até chegar nas operações formais (a partir dos 12 anos). Nessa passagem de estágios e processo de desenvolvimento cognitivo, a criança passa pela adaptação, acomodação e assimilação do conhecimento, possuindo um equilíbrio de maturação que rege este processo, o qual faz a ligação do estágio anterior para o posterior.
Outro teórico que aponta para estágios de desenvolvimento é Wallon, que partindo de uma perspectiva psicogenética, indica que o desenvolvimento da pessoa se faz a partir da interação do potencial genético, típico da espécie, e uma grande variedade de fatores ambientais e sociais. Em cada estágio de desenvolvimento (Wallon propõe os seguintes estágios: impulsivo-emocional — 0 a 1 ano; sensório-motor e projetivo — 1 a 3 anos; personalismo — 3 a 6 anos; categorial — 6 a 11 anos; puberdade e adolescência — 11 anos em diante), um dos conjuntos predomina e o conjunto afetivo estaria mais evidenciado nos estágios do personalismo, e da puberdade e adolescência.
Me perdoem caros biólogos, wallonianos e piagetianos, pela excessiva simplificação e por este recorte, a bisturi, em teorias tão amplas, coletiva e historicamente já validadas ao longo da construção cultural da humanidade.
Antes de prosseguir no meu devaneio, repito que há diferença entre o desenvolvimento orgânico/físico, o cognitivo e o psíquico, porém, também há uma ligação significativa e significante entre eles. E para complicar mais um pouco, proponho então, a hipótese de que, no desenvolvimento psíquico, as fases não vão sendo superadas progressivamente, mas, elas vão se “acumulando/somando” em nossa estruturação psíquica.
Entretanto, também parto de uma distinção de fases no nosso desenvolvimento psíquico, fases que não vão sendo superadas progressivamente, mas, vão se SOMANDO e ACUMULANDO em cada pessoa/subjetividade: 1 preconcepção + 2 intrauterina + 3 infância + 4 adolescência/juventude + 5 adulto + 6 velhice (+ 7 pós-orgânico?)
Vou dar apenas uma notícia de cada fase:
1 preconcepção (pré-orgânico): seria o momento que antecede a nossa concepção, ou seja, podemos dizer que seria o clima/ambiente psíquico-emocional dos nossos pais e demais familiares ao sermos planejados e concebidos. Infelizmente, para muitos, essa fase já deixa marcas psíquicas significativas, que serão carregadas por toda existência, afinal, vamos progredindo nas fases mas também, vamos acumulando-as, logo, mesmo na velhice, uma marca emocional da preconcepção segue presente e atuante. Aliás, tendo a pensar que herdamos algumas marcas de nossos pais, afinal, somos 23 cromossomo da mãe + 23 cromossomos do pai.
2 intrauterina: esse período, assim como o primeiro, geralmente é pouco considerado em nossa formação psíquica, porém, como já indicado, ambas estão em nós e permanecem em nós até o final. Essa fase implica num período em que somos parasitas e aquáticos, ou seja, período em que eramos uma condição completamente diferente da que nos tornamos ao sermos expulsos/expelidos para fora e termos que iniciar uma “outra” existência/condição. Na vida intrauterina levamos uma vida de rei, em geral, pois somos carregados de um lado para outro, nos alimentamos sugando o corpo que nos carrega e nem respirar nós precisamos. Será que essa vida de rei/parasita deixa marcas profundas em nosso psiquismo?
3 infância: período em que precisamos começar a “vingar” como indivíduos. Precisamos aprender praticamente tudo, pois somos uma nova condição. Entretanto lembro, que também seguimos carregando as duas fases anteriores em nós, logo, alguns aprendizados já foram feitos.
4 adolescência/jovem: se na infância somos apenas um pedaço de carne, como dizia Lacan, na adolescência, digo eu, somos um saco de hormônios em ebulição. Basta lembrar do período da nossa adolescência e veremos que fizemos muitas coisas sem nem saber o motivo que nos moveu, ou seja, os hormônios nos carregaram. Aliás, para mim, é nesse período que a sexualidade se inscreve no psiquismo dos e das adolescentes, e não na infância, como preconizou Freud. Um pouco mais avante e entra-se na juventude: aqui, os hormônios ainda estão potentes, mas, outras questões também começam a se impor e requerem atenção, assim, é preciso começar a controlar os hormônios e começar a pensar em médio e longo prazo.
5 adulto: de imediato lembro que chegamos nessa fase com um belo acumulo psíquico-emocional, ou melhor, como adultos carregamos as 4 fases anteriores, de forma que aqui, pode estar acumulado em cada um, aquele desejo/investimento dos nossos pais, aquela memória da vida de rei que trazemos da fase intrauterina, as vivências emocionais da infância, as experiências sexuais/namoros da adolescência e as decisões tomadas na juventude em relação ao próprio futuro. Então, isso posto, ou melhor dizendo, isso somado em nós, convém nos perguntar: como nos organizamos psiquicamente até agora? Ou será que, apenas fomos “entulhando”? Aliás, arrisco dizer que as pessoas, nesta fase da existência, deveriam despertar para uma “reorganização psíquica”, entretanto, são raros os casos em que essa busca ocorre.
6 velhice: de imediato lembrei das pessoas idosas que andam com dificuldade, curvados, ou precisam de bengala ou até mesmo, de uma cadeira de rodas para se deslocar… enfim, será que é o peso da “carga psíquica-emocional” acumulada de todas as fases anteriores? Aliás, é curioso como muitas pessoas idosas, apesar de fragilizadas fisicamente, seguem ativas sexualmente, mesmo que só no imaginário, ou seja, parece que aqueles hormônios da adolescência seguem pulsando, como se não tivessem sido superados, o que vai de encontro a minha hipótese da acumulação/soma psíquica de todas as fases, ou seja, todas elas seguem em nós.
7 pós-orgânico: já deixei entre parênteses e com um ponto de interrogação pois não sei ao certo, se pode ser, de fato, um estágio/uma fase/um nível da nossa organização psíquica. Em todos os casos, nos ocupamos bastante com essa questão. Inclusive, todo marketing das religiões gira em torno disso.
Então, na próxima vez em que for meditar, pense em você enquanto “organizado – ou desorganizado - psiquicamente a partir desta soma” e veja se faz sentido: 1 preconcepção + 2 intrauterina + 3 infância + 4 adolescência/jovem + 5 adulto + 6 velhice (+ 7 pós-orgânico?).
Tercio Inacio W J
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