Psicologia e neutralidade
Psicologia e neutralidade
E a perplexidade com o curso de Psicologia segue aumentando. No começo do curso, fiquei desapontado com o
foco no mental humano, da Psicologia. Como fui notando que a Psicologia toda, ou melhor, de praticamente todos
os continentes, fora fundada por médicos neurologistas, optei por me recolher na minha insignificância de neófito
daquela nova ciência, nova para mim e, nova no mundo humano (tem apenas uns 120 anos). Aqui nem vou
adentrar em outra confusão comum, para não desviar o foco, mas, outro emaranhamento erigido é confundir
Psiquiatria, Psicanálise e Psicologia.
Enfim, basta dizer que os médicos seguem mandando em tudo e a Psicologia segue afundada na neurologia, no
“mental”. Infelizmente o Freud, como médico que era, também não superou o paradigma mental, tanto que para
a Psicanálise pré-consciente, consciente e inconsciente são condições mentais, apenas.
Para complicar, a minha perplexidade foi agravada, ao notar que, insistentemente, os Psicólogos de formação -
ou seja, os não médicos - estão confundindo Psicologia com Sociologia. Ao menos essa confusão o Freud evitou
(e os demais médicos também).
Até parece que a neurologia cedeu lugar à sociologia e a Psicologia, enquanto ciência, segue sem se encontrar. Ou
seria melhor dizer que as pessoas continuam sem entender a Psicologia como uma ciência autônoma?
Aliás, qual é o objeto de estudos/trabalhos da Psicologia enquanto ciência? E qual é o objeto de estudos/trabalhos
da Medicina? E da Sociologia enquanto ciência?
Meu intento não é isolar a Psicologia, muito menos ainda, defender que o psiquismo se forma e se desenvolve
fora do convívio social. Entretanto, o psiquismo é sempre subjetivo, ou seja, eu tenho a minha organização psíquica
e você tem a tua, assim como também, cada um reagiu/reage de uma maneira, perante um contexto social
específico, contexto que por sua vez, também o influencia.
Então, a organização psíquica de cada pessoa é única, inclusive, a de gêmeos univitelinos, gerados pelos mesmos
pais, criados na mesma família e influenciados pelo mesmo meio social-cultural.
E me parece que o objeto de estudos e de trabalho da Psicologia deveria ser esta organização - ou desorganização -
subjetiva única. Este psiquismo que uma vez “conhecido” pelo seu dono/organizador, trará um imenso retorno
pessoal e poderá resultar em significativas contribuições no seu entorno social, mas insisto, o bom retorno social
é consequência garantida, de um psiquismo melhor organizado. E não o contrário.
A Psicologia não pode se ocupar com todos os problemas sociais/externos que afligem uma pessoa, mas, precisa
se ocupar com todos os sintomas psíquicos/internos que afligem aquela pessoa.
Por exemplo: uma mulher grávida, já com três filhos pequenos, morando sozinha, numa casinha precária,
dependente do “bolsa família” e de outras ajudas sociais, ainda pode ser uma fortaleza psíquica para os seus
4 filhos. Criá-los com tanto carinho e dedicação emocional que os filhos se sentirão mais seguros/desejados
por essa mãe humilde e sozinha, do que aquele filho único de mãe empresária e pai fazendeiro, mas que pagam
uma cuidadora para dar conta do filho único, este que não se sente “desejado” por nenhum dos três, o que pode
resultar em desorganização psíquica para uma vida toda.
Enfim, a questão psíquica não depende, diretamente, da classe social a qual se pertence.
Ou ainda: vulnerabilidade material não implica, necessariamente, em vulnerabilidade psíquica.
Acho que aqui, convém repetir: sei muito bem que é na convivências com os outros que o psiquismo se
desenvolve. Sim, somos seres sociais. Assim como sei que as condições materiais, sociais, culturais e/ou
religiosas também podem influenciar, enormemente, a organização psíquica subjetiva.
Aliás, falando em religião - e lembrando da questão da neutralidade na Psicologia - li recentemente, no livro
Psicologia e Alquimia de Carl Gustav Jung, que o inconsciente é pagão, ou seja, a religião não faz parte da
estrutura inconsciente, portanto, é um construto do consciente. E a Psicanálise, assim como a Psicologia
Analítica, buscam sempre - ou deveriam buscar - a causa dos sintomas no inconsciente, lá onde, então,
não existe religião. Pior que já ouvi falar em Psicologia da religião.
E se o inconsciente também não tiver classe social, assim como não tem religião?
Continuando a questão da neutralidade na Psicologia… e considerando a teoria de Freud sobre a
bissexualidade inata no humano, não me parece absurdo cogitar que, para ele, o inconsciente também era
neutro “sexualmente”. Apesar dele focar, exageradamente, na sexualidade como causa da maioria dos
problemas psíquicos das pessoas, ele também sempre focou na busca das causas dos sintomas no inconsciente.
Outra questão que implica em neutralidade na teoria freudiana é o tempo, ou melhor, para psicanálise, o
inconsciente é considerado atemporal, logo, não se submetendo à ordem linear do tempo consciente. Isso
significa que os conteúdos inconscientes, como memórias, desejos e conflitos, não estão sujeitos à passagem
do tempo - a cronologia - como na consciência. Em vez de uma sucessão de acontecimentos, o inconsciente
comporta uma simultaneidade de memórias, onde o passado, presente e futuro não se distinguem.
Então, a Psicanálise busca sempre - ou deveria buscar - a causa dos sintomas no inconsciente, lá onde não
existe gênero, nem tempo cronológico. Será que por isso a Psicanálise é tão desafiante e difícil de ser praticada?
Só sustentar uma escuta, já é um desafio gigantesco para egos histéricos, imaginemos então, como acessar o
inconsciente, como pescar (que requer muito silencio, também) o inconsciente. Aliás, é possível o ego do
analista pescar o inconsciente do analisando? Ou só é possível o inconsciente do analista pescar o inconsciente
do analisando? Infelizmente, o mais comum, é apenas o ego do analista e o ego do analisando se comunicarem.
E se o inconsciente também não tiver classe social, assim como não tem gênero nem tempo cronológico?
Pois então, caros psicólogos sociais, chegou o momento - consciente e presente - de perguntar se o inconsciente
tem classe social. Claro que, outra pergunta importante seria se querem ir além do “consciente” e dos sintomas?
Provocação feita, lembro do exemplo citado anteriormente, o da mulher grávida do quarto filhos e em sérias
situações de vulnerabilidade material, que afinal, ainda pode ser uma mãe que sustenta o desejo dos filhos,
apesar das desafiadoras circunstâncias externas. Assim como é bem comum ver que pais de classe social melhor,
não sustentam nem o próprio desejo, muito menos conseguem sustentar o desejo do filho único, o que,
curiosamente, é mais comum na classe média e alta.
Quem sabe a psicologia-social não esteja conseguindo ir além do “consciente”, o que implica numa
psicologia parcial, pois sempre está/estará longe do inconsciente, logo, também longe da estrutura psíquica
humana, segundo Freud (pre-consciente, consciente e inconsciente), que requer imparcialidade e “uma pesca
nas profundezas”, entre inconscientes.
Por fim, preciso reconhecer que “sustentei” o emaranhamento comum entre Psicanálise e Psicologia,
transitando entre ambas como se fossem uma ciencia única. Aliás, quem sabe a grande diferença, seja
justamente, que uma quer ir além do consciente, buscando as causas em profundezas humanas muito mais
desafiadoras. A pesca com amigos, bebendo cerveja, sem paciência e contando piadas é muito mais agradável,
mas, não vai passar de um passa tempo e de conversas à toa, transformando a pescaria num pretexto
ocupacional, apenas. Dificilmente, nestes casos, se consegue algum peixe de fundamento, pois a pesca ficou
“superficial”, apenas.
Então, se você não for capaz de sustentar o silêncio e de neutralidade (social, religiosa, "sexual", cronológica...),
a Psicologia ou a Psicanálise não é para você. Faça Sociologia, Políticas Sociais, Teologia, etc, pois a Psicologia
será apenas um "pretexto ocupacional" para você, como aquela pescaria entre amigos...
Tercio Inacio
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