crônica da Castração: Freud x Bastet

 

Castração: Freud x Bastet

Neste dia, enquanto está ocorrendo a castração física do gato de estimação da minha namorada, estou eu, aqui, entabulando uma analogia com a teoria da castração de Freud.

O Bastet, o gato – preto - de estimação, foi encontrado na rua, com apenas poucos dias de vida. No começo, era para ser uma fêmea, entretanto, ao crescer começaram a aparecer características de macho. E ter/criar um gato, num apartamento, é bem diferente de ter uma gata. E isso, quem explica, não é o Freud, mas, a própria Natureza com seus instintos imperativos.

Assim, antes que o gato macho (agora já com 6 meses) fosse carregado prédio abaixo, pelo instinto reprodutor e para viabilizar a sua permanência num apartamento, onde ele leva uma vida confortável, foi recomendado a castração física.

Evidente que a minha namorada ficou com pena dele, remarcando a cirurgia por algumas vezes com a veterinária. Mas, como ele seguia crescendo em idade, tamanho, instinto e pirraça, a recomendação também foi crescendo. E eis que um problema, para vários debates, apareceu: não castrar e arriscar perdê-lo a qualquer momento, além de ter que lidar com a agressividade dele hodiernamente, ou, castrá-lo para “acalmá-lo” e mantê-lo numa vida tranquila e confortável por muitos anos?

Mas e o Freud, como ele entra nessa história? Na verdade, ele entra numa história paralela a essa, pois a teoria dele trata da castração humana. Calma! Calma! Não é castração física, como a do Bastet, mas, trata-se de uma castração “simbólica”.

Pois então, a castração foi/é um conceito fundante na teoria psicológica do Freud. Tão significativa – e significante – na constituição da subjetividade humana, que ele dedica muito tempo, pesquisa e teorizações a ela, o que o levou a criar uma teoria específica para tratar do “Complexo de Castração” na constituição do ser humano.

O complexo de castração, é uma teoria freudiana, que se aplica, principalmente, ao desenvolvimento psicossexual da criança em sua interação com os pais, a família e os membros mais próximos. Porém, a castração para a Psicanálise, é sobretudo imaginária, ou melhor, trata-se de fantasias que habitam o inconsciente, dando sentido àquilo que é vivido pela criança na relação com os seus pais e consigo mesma. Da mesma forma, o que está sob ameaça de ser cortado não é propriamente o pênis como órgão genital, mas, simbolicamente, aquilo que permite vínculo e ligação com o outro, ou ainda, simbolicamente um falo, representante de potência e virilidade (não restrito ao gênero masculino).

No entanto, alguns psicanalistas e teóricos contemporâneos expandiram o conceito, para analisar como questões relacionadas a “castração simbólica”, pela qual todas as pessoas precisam passar, podem influenciar a vida em sociedade de forma mais ampla. Pois, o “corte” que o pai – ou a função paterna – faz, num primeiro momento, depois, em sociedade, será feita pelas normas e as leis.

Essa angústia da castração é um eterno conflito entre a autoridade e o desejo, transgressão e proibição. Uma “ameaça” insere a criança em sociedade, com seus limites, leis e proibições. O impacto disso é que ao aceitar estes “cortes” se aceita a condição limitante, ou seja, não podemos ter ou ser tudo que queremos.

Em outros termos, para a vida em sociedade ser possível, é preciso que, não apenas o instinto sexual seja contido, mas, que qualquer instinto egoísta seja controlado, pois viver em sociedade requer outras condutas, ou melhor, não posso fazer apenas o que eu gosto e desejo, mas, preciso considerar se isso não irá contra a lei, que busca garantir a vida em sociedade. Aqui, lembrei do Contrato Social de Rousseau (a transição do estado de natureza para a sociedade civil) e do Imperativo Categórico kantiano (“Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”).

Mas, retomando a analogia premeditada - informo primeiramente, que tudo ocorreu conforme previsto pela veterinária, com a castração física do Bastet. Agora, é só cuidar da recuperação dele para prosseguir a vida “mansa” de gatão de apartamento - será que esta vida confortável do gato compensará a castração dele? Será que a vida em sociedade compensa a nossa “castração” de indivíduos com instintos, ou seja, de animal desejante?

Pelo jeito, a vida “confortável” tem seu preço. Assim como a vida em sociedade também tem seu ônus pessoal.



T I Webler Jung





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