crônica “Ter que ser” entre: desejos + carências + ilusões
“Ter que ser” entre: desejos + carências + ilusões
Heidegger, filósofo alemão do sec XX (muitas vezes acusado de ser mais psicólogo do que filósofo), é o autor do famoso conceito DaSein, que é comumente traduzido por “ser aí” e que acaba remetendo ao “ter que ser”, imperativo que sempre angustiou e segue angustiando o ser humano, este que precisa ser cumprido por cada um de nós, inevitalmente.
Heidegger critica a investigação entabulada ao longo da história humana, que se prendeu demasiadamente, a uma compreensão dominada pelo Ente, em vez de se debruçar mais ao estudo do Ser. Dessa forma, crítica os gregos por fundamentarem-se em uma metafísica cosmológica, os medievais por se fundamentarem em uma metafísica teológica, e o humanismo moderno por um discursos positivo-racionalista.
Porém, é conveniente antecipar, que as conclusões deste “filósofo-psicólogo”, não são nada entusiastas, como já devem ter notado, afinal, “ter que ser” indica mais para uma ordem, do que para algo que possa ser evitado ou resolvido com “o jeitinho brasileiro”.
Existência, e o que pertence à existência, é sempre um “ter que ser”, no sentido de um empenho necessário: é esforço, labuta, luta, embate, combate... Existir é empenho de combater, de combater o bom combate, em que está em jogo, nada mais nada menos, do que o ser aí, ou seja, a necessidade de cada um “ter que ser” na vida real hodierna. E aí, acabamos nos encontrando com os outros, que também precisam “ter que ser” aqui e agora.
Assim, para o humano, é respondendo ao imperativo “ter que ser” e correspondendo ao dom da existência que o indivíduo se constitui como ser humano, no sentido de estar “sendo” enquanto existência e presença aí. Esse humano que inclusive, é um ser que caminha para a morte, segundo Heidegger.
Mas enfim, depois desse balde de água fria, eu gostaria de contribuir com mais um balde: o “ter que ser”, de cada um de nós, ainda precisa se dar entre desejos, carências e ilusões. Certamente Freud acrescentaria o Inconsciente pessoal e o Jung acrescentaria, ainda, o Inconsciente coletivo. Porém, vou me ater aos desejos, carências e ilusões que estão em intermitente movimento nesse processo pessoal – consciente ou inconscientemente - de “ter que ser”.
Os desejos dizem respeito a nossa condição animal/de natureza, ou seja, aos instintos que nos são inatos por natureza. Desejos que fortemente nos empurram para avante (nascer, crescer, reproduzir e morrer) sem mesmo pedir permissão para nós. Aliás, a nossa maior ingenuidade é achar que a razão consegue dominar a natureza.
A razão, apenas nos
diferencia dos demais animais, em grande medida, pela capacidade de
acumular informações e memórias, o que por sua vez, nos capacita
para o conhecimento, as ideias e para as fantasias/ilusões. As
memórias nos condicionam em nosso “ter que ser” e as ilusões,
mais ainda, pois o “metaverso” está aí (e basta ver a
necessidade humana de religiões). Parece que a razão tende a nos afasta do "princípio de realidade".
Como se isso não fosse suficiente, ainda temos as nossas carências emocionais que nos arrastam, inúmeras vezes, por caminhos tortuosos e acidentados. Fruto das vivências emocionais de cada pessoa, as carências tendem a criar trilhos pelos quais andamos repetidamente, até mesmo sem percebermos. Saber desses nossos trilhos e atalhos, assim como tomar consciência das próprias carências, pode ser o caminho para um “ter que ser” um pouco mais equilibrado, sobretudo, emocionalmente.
Desejos e ilusões/fantasias não são o caminho indicado para superar as carências pessoais. É preciso encarar tudo isso, ou melhor, encarar nossos desejos, nossas ilusões e nossas carências para que o nosso “ser aí” seja um pouco mais tranquilo e equilibrado. Inclusive, só depois disso, do meu “ter que ser” estar um pouco melhor estruturado é que será possível contribuir, de fato, com o existir coletivo/social, caso contrário estarei apenas, usando as outras pessoas para tapar os buracos das minhas carências, ou, usando-as para satisfazer as minhas ilusões e os meus desejos.
Já que “ter que ser” é necessário e inevitável, vamos fazer isto buscando o autoconhecimento, erigindo a autoestima e focando numa autopreservação humana e sustentável.
Tercio Inacio
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