Ensaio - PSICOLOGIA: do paradigma mental ao paradigma emocional
PSICOLOGIA: DO PARADIGMA “MENTAL” AO PARADIGMA “EMOCIONAL”
RESUMO
Freud desempenha um papel fundamental ao desafiar - e reconstruir - a visão unilateral e
puramente mental do ser humano, desenvolvendo duas teorias sobre o aparelho mental. Na
primeira tópica, a mente é dividida em três partes (consciente, pré-consciente e inconsciente),
mas Freud logo percebeu as limitações dessa concepção. Na segunda tópica (1923), ele
constrói uma segunda "topografia" que se concentra menos na mente e mais na compreensão
de um aparelho psíquico expandido, resultando na concepção de uma nova estrutura da
subjetividade humana, composta pelo id, ego e superego. A partir disso, proponho uma
possível “mudança de paradigma" que considera o humano a partir de sua condição instintiva,
emocional e mental, representadas como unterMich, beiMich e überMich (embaixo de mim,
comigo, sobre mim). E a condição emocional/afetiva como a condição humana por
excelência, esta, fundada no desenvolvimento da autoestima.
Palavras-chave: Instintos. Afetos/Emoções. Mente.
ABSTRACT
Freud plays a key role in challenging - and rebuilding - the one-sided and purely mental view
of the human being, developing two theories about the mental apparatus. In the first topic, the
mind is divided into three parts (conscious, preconscious and unconscious), but Freud soon
realized the limitations of this conception. In the second topic (1923), he builds a second
"topography" that focuses less on the mind and more on understanding an expanded psychic
apparatus, resulting in the conception of a new structure of human subjectivity, composed of
the id, ego and superego. From this, I propose a possible "paradigm shift" that considers the
human from his instinctive, emotional and mental condition, represented as unterMich,
beiMich and überMich (under me, with me, over me). And the emotional condition/ affective
as the human condition par excellence, this one, founded on the development of self-esteem.
Keywords: Instincts. Affects/Emotions. Mind.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objetivo, explorar uma perspectiva científica que
propõe uma mudança no percurso teórico de Freud, visando uma explicação ampliada do
aparelho psíquico a partir das emoções e dos instintos. Pretende-se ir além da mente,
buscando uma compreensão mais abrangente da condição humana.
Em sua primeira tópica, Freud descreveu o aparelho mental como sendo composto por
diferentes áreas da mente, tais como o inconsciente, o pré-consciente e o consciente. No
entanto, insatisfeito com essa estrutura, ele redirecionou seu foco e desenvolveu uma nova
topografia do aparelho mental, conhecida como a segunda tópica (Freud, 1980). Essa nova
abordagem ampliou a compreensão do aparelho mental ao introduzir o sistema composto pelo
Id, Ego e Superego (Freud, 1980).
A partir dessa trajetória reflexiva, surge a necessidade de explorar uma possível
"mudança de paradigma", um paradigma desafiador para a Psicologia moderna. Tal
abordagem visa explicar a nossa condição humana ampliada, levando em consideração a
importância de resgatar a nossa subjetividade humana-emocional e a nossa natureza
animal-instintiva, muitas vezes negligenciadas em detrimento da atenção dada, em demasia, à
nossa racionalidade.
É importante ressaltar que, embora existam fundamentos sólidos que comprovam a
nossa condição racional, é necessário reconhecer a limitação de nossa racionalidade quando
negligenciamos a nossa natureza animal e a conexão com as leis da natureza. Assim como não
seria adequado explicar uma árvore considerando apenas a sua copa, é imprescindível ampliar
o nosso olhar e considerar, também, a importância da nossa condição animal e emocional.
Dessa forma, questiona-se se a Psicologia não está excessivamente focada na condição
mental das pessoas, abordando predominantemente a consciência, memórias, sonhos,
percepções, linguagem, comportamento e até mesmo o inconsciente a partir de uma
perspectiva mentalista. Para uma compreensão mais abrangente do ser humano, é necessário
considerar o que faz a ligação entre as nossas raízes animais/instintivas e a nossa copa
mental/ideacional.
Nesse sentido, a condição afetiva/emocional desempenha um papel fundamental como
o tronco/caule de uma árvore, que une e interliga essas diferentes dimensões. Ao reconhecer e
valorizar essa dimensão emocional, podemos obter uma visão mais completa e realista do ser
humano, considerando também a sua ligação com o contexto social e os legados culturais
humanos ao longo da história.
Enfim, este ensaio propõe uma nova abordagem para a compreensão da condição
humana, que busca ampliar a visão da Psicologia para além da dimensão mental, abrangendo
também a nossa condição instintiva e emocional. Ao reconhecer a importância da nossa
natureza animal e emocional, podemos alcançar uma compreensão mais abrangente e realista
de nós mesmos e do mundo que nos cerca.
METODOLOGIA
Este ensaio é fruto de anos de inúmeras aulas, muitos estudos, leituras, pesquisas,
debates e vivências.
Pesquisa bibliográfica e reflexão crítica a partir da vida hodierna.
A proposta de visão ampliada, que vai além da condição mental, não representa, em
absoluto, um modelo acabado, mas constitui apenas o começo de um diálogo entre a
Psicologia e a vida humana real/cotidiana/hodierna, indicando que as clássicas descrições de
Freud sobre a mente não são suficientes para explicar uma subjetividade muito mais
complexa. Subjetividade condicionada por instintos, emoções e pela mente.
FREUD E A PRIMEIRA TÓPICA
O aparelho psíquico, termo utilizado por Sigmund Freud para descrever a mente
humana, é abordado pela psicanálise através de teorias que destacam as "instâncias" onde
ocorrem os processos psíquicos. Essas teorias revelam como a mente é organizada e dividida
em diferentes sistemas interligados: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente, cada um
desempenhando funções específicas (Freud, 1980).
No nível consciente, para Freud, encontram-se os pensamentos, emoções e ações que
estão diretamente relacionados à realidade. Essa é a instância mais acessível para nós, pois é
por meio dela que nos relacionamos com estímulos internos e externos através dos sentidos e
das sensações. O sistema consciente está ligado à memória de curto prazo e representa nossa
percepção do momento presente, tanto de nós mesmos quanto do ambiente. Além disso, o
Ego, uma das principais estruturas da mente, opera nesse nível e se caracteriza pelo princípio
de realidade, que favorece a adaptação às circunstâncias reais e a capacidade de adiar o desejo
quando necessário.
Por outro lado, segundo Freud, o inconsciente não possui a mesma capacidade de
controle e adiamento de satisfação. Nessa instância, predominam os desejos e prazeres
imediatos, sem considerar as restrições ou consequências. É no inconsciente que estão os
conteúdos reprimidos, representando conflitos e emoções desagradáveis que são afastados da
consciência como mecanismo de defesa. Embora não seja facilmente acessível à nossa
consciência, o inconsciente exerce uma grande influência sobre nós e se manifesta através de
sintomas, sonhos e atos falhos.
Para Freud, entre o inconsciente e o consciente está o sistema pré-consciente, que atua
como uma ponte entre essas duas instâncias. Nesse nível, estão presentes os sentimentos,
pensamentos e fantasias que não estão na consciência, mas podem se tornar acessíveis com
facilidade. Um exemplo disso é quando temos uma memória que havíamos esquecido, mas
que é trazida à tona quando alguém nos menciona ou quando a lembrança está na "ponta da
língua".
Em suma, a compreensão do aparelho psíquico de Freud revela a complexidade da
mente humana, com suas diferentes instâncias interligadas. O estudo dessas instâncias e de
suas interações contribui para uma melhor compreensão do funcionamento mental e dos
mecanismos que influenciam na organização psíquica de cada um.
FREUD E A SEGUNDA TÓPICA
Enquanto, na primeira tópica, Freud dividiu a mente em três partes (consciente,
pré-consciente e inconsciente), mas logo percebeu as limitações dessa concepção, na segunda
tópica (1923), ele construiu uma nova estrutura do aparelho psíquico, menos focada na mente
e mais preocupada em compreender a subjetividade humana.
Na segunda tópica, Freud (1980) introduziu a ideia do id, ego e superego, (uma
tradução inglesa, não muito feliz, para Es, Ich e ÜberIch), como elementos constituintes da
personalidade. Essa nova concepção marcou uma ruptura efetiva com a filosofia clássica
mentalista. O id/Es foi descrito como um "grande reservatório" da libido, das energias
pulsionais e do desejo, sendo considerado caótico. De acordo com Freud, o id está em conflito
com as outras duas instâncias (ego e superego) e busca expressar sua energia e promover sua
descarga. O id representa a parte mais inconsciente do ser humano, onde se encontram os
instintos e os desejos reprimidos e/ou não reconhecidos.
O id foi concebido por Freud (1980), como um conjunto de conteúdos de natureza
pulsional e de ordem inconsciente, constituindo o polo psicobiológico da personalidade. É
considerado a reserva inconsciente dos desejos e impulsos de origem genética, voltados para a
preservação e propagação da vida. Contém tudo o que é herdado, que se acha presente no
nascimento, acima de tudo os elementos instintivos que se originam da organização somática.
Do ponto de vista topográfico, o inconsciente, como instância psíquica, virtualmente
coincide com o id. Portanto, os conteúdos do id, expressão psíquica das pulsões, são
inconscientes, por um lado hereditários e inatos e, por outro lado, adquiridos e recalcados. Do
ponto de vista econômico, o id é, para Freud, a fonte e o reservatório de toda a energia
psíquica do indivíduo, que anima a operação dos outros dois sistemas (ego e superego). Do
ponto de vista "dinâmico", o id interage com as funções do ego e com os objetos, tanto os da
realidade exterior como aqueles que, introjetados, habitam o superego. Do ponto de vista
funcional, o id é regido pelo princípio do prazer, ou seja, procura a resposta direta e imediata a
um estímulo instintivo, sem considerar as circunstâncias da realidade. Assim, o id tem a
função de descarregar as tensões biológicas, regido pelo "princípio do prazer". Ainda para
Freud, estamos divididos entre o princípio do prazer (que não conhece limites) e o princípio
de realidade (que nos impõe limites).
Já o ego, por sua vez, refere-se à parte da personalidade que desempenha funções
conscientes. Segundo a psicanálise freudiana, o ego é a parte defensiva de nossa
personalidade. Ele tenta, por meio de um papel mediador, responder aos interesses do id e do
superego. O ego é frequentemente descrito como uma figura que deve obedecer a três
senhores: o mundo exterior, o id (polaridade pulsional) e o superego (juiz). O ego garante a
estabilidade do sujeito, impedindo a liberação indiscriminada de impulsos, atuando como
mediador entre as demandas do id e as demandas do superego.
Na teoria de Freud, o superego seria aquela voz interna que nos aponta ideais
maravilhosos, exigindo também, perfeição, uma espécie de lei moral que age sobre nós sem
que compreendamos sua origem, mas que possui uma forte relação com os valores culturais e
sociais nos quais estamos imersos e nos quais nos desenvolvemos. Simplificadamente, o
superego é a voz que nos impulsiona a nos aproximarmos de ideais.
PROPOSTA DE OUTRA PRIMEIRA TÓPICA: instintos + afetos + ideias
Historicamente, a humanidade se convenceu, racionalmente, de que a mente é a base
sobre a qual devemos construir nossa existência. No entanto, essa concepção pode ser
comparada a estar em um avião a 4000 metros de altura e pisar no assoalho do avião
acreditando, erroneamente, estar-se pisando em terra firme. O que é um grande engodo.
Embora a humanidade tenha progredido, significativamente, como animais racionais,
encantando-se pela mente e desejando transformá-la em uma base que sustenta tudo, é
evidente que, mesmo com todos os avanços científicos, tecnológicos e o desenvolvimento da
inteligência artificial, continuamos inseguros, carentes, com medo, infantis (e vazios de
autoestima). Ou seja, nossa evolução emocional não vem tendo a atenção necessária, nem
mesmo pela Psicologia.
É conveniente lembrar que cada indivíduo, ao nascer, precisa construir-se e
constituir-se como um indivíduo e subjetividade, vivenciando suas próprias experiências
emocionais. Nesse processo, nem mesmo uma mãe pode "sentir" no lugar do filho. Aliás,
preparar os filhos para lidar com suas próprias emoções seria um salto para a humanidade. No
entanto, ainda somos, em grande medida, "analfabetos afetivos", o que inevitavelmente
repercute em nossa vida social, racional e até mesmo instintiva. Uma sociedade evoluída não
é viável se as pessoas que a compõem continuam emocionalmente infantilizadas, com uma
autoestima precária.
É importante ressaltar que isso não se trata de individualismo, mas sim de maturidade
emocional, esta, baseada no desenvolvimento da própria autoestima, pois somente uma pessoa
"alfabetizada afetivamente" consegue viver e conviver em sociedade, sem depender dos
outros para se sentir bem, logo, não precisará usar os outros.
PARTE I
O desenvolvimento humano abrange diferentes aspectos, incluindo o corpo físico, o
aspecto emocional e o racional. Enquanto nosso corpo orgânico segue um processo natural
(instinto) de crescimento, envelhecimento e morte, sem que precisemos nos preocupar
diretamente com isso, é comum que, em nossa imaturidade emocional, termos medo do
envelhecimento e da morte, levando-nos a diversas formas de psicose como uma tentativa de
nos iludirmos sobre a inevitabilidade da morte (religiões?).
Aliás, é possível supor que, podemos estar em diferentes fases de desenvolvimento ao
mesmo tempo, ou melhor, uma mesma pessoa pode possuir uma idade instintiva, uma
emocional e outra mental, claro que, as três em constante movimento e interligação (como um
átomo?). Por exemplo, é possível encontrar cientistas altamente intelectualizados que, apesar
de sua idade racional avançada, ainda se encontram emocionalmente imaturos, dependendo
emocionalmente de uma figura materna, até mesmo.
Portanto, estamos sempre transitando entre essas três condições: a instintiva, a
emocional e a mental. É fundamental, cada um ter consciência dessas fases e, no mínimo, se
esforçar para amadurecer naquela em que se encontra em menor desenvolvimento. “Tendo” a
pensar que, embora nascemos fisicamente frágeis, é razoável considerar que já nascemos
adultos na condição instintiva, pois, naturalmente nos desenvolveremos, assim como qualquer
animal ou planta. E como e quanto essa condição instintiva condiciona o desenvolvimento
mental e afetivo é uma grande questão. Nem preciso lembrar que a nossa condição emocional
é, em geral, a mais ofuscada dentre as nossas três condições, logo, o desenvolvimento da
autoestima também é ignorado pela maioria. Assim, a construção da autoestima, a fundação
da subjetividade, se dará parcamente e pior, aos trancos e barrancos para a maioria das
pessoas, que chegarão na velhice ainda, muitas vezes, “vazios de autoestima”.
Nesse ínterim, surge uma analogia possível: quando a “luz de reserva do combustível”
acende no painel do carro, adianta ir a um eletricista para investigar ou trocar a lâmpada do
painel? Todos sabemos que é necessário ir abastecer em um posto de combustível, inclusive
para que a luz do painel se apague e o motor continue funcionando. Curiosamente, o conceito
“luz” remete ao período do iluminismo, no qual a razão deveria prevalecer e salvar a
humanidade, uma vez que a religião não conseguiu, mas... Então, será que seria exagero dizer
– já que a razão também não conseguiu - que as emoções são o combustível das nossas vidas?
PARTE II
No desenvolvimento humano, pode-se inferir que a fase infantil é caracterizada pela
predominância do instinto, em que o feto e o recém-nascido priorizam a satisfação das
necessidades básicas para a sobrevivência orgânica. Nessa fase, a questão afetiva assume
contornos de angústia, insegurança e dependência, influenciando a organização da base
emocional e da autoestima de cada indivíduo.
Já na fase da adolescência, embora o instinto de autopreservação continue presente e
seja vital para a sobrevivência do corpo, ele passa a assumir uma dimensão voltada para a
preservação da espécie. A sexualidade ganha destaque nesse período, com os hormonios
impulsionando a busca por relacionamentos e pela reprodução. A questão afetiva assume
novos contornos nessa fase, sendo influenciada pela sexualidade e pela interação com outros
indivíduos.
É interessante considerar que Sigmund Freud atribuiu grande importância à
sexualidade na infância, entretanto, está claro que é na adolescência que o imperativo sexual
se impõe de forma mais significativa e significante, organizando o aparelho psíquico, a
afetividade, logo, condicionando fortemente o desenvolvimento.
Na vida adulta, os instintos continuam pulsando, mas a sexualidade cede espaço e
outros aspectos emocionais emergem. A razão, também começa a operar com mais força e até
mesmo, consegue se impor sobre os instintos, inclusive os sexuais. À medida que o corpo
envelhece, a fragilidade orgânica se reflete na fragilidade afetiva e, consequentemente, em
muitos casos, o vazio de autoestima, também vem à tona. Na velhice, muitas pessoas
precisam permanecer na rotina das necessidades orgânicas, e são movidas pela satisfação de
imaginações e ideias. A segurança, que é buscada ao longo da vida, começa a ser questionada
à medida que o corpo experimenta o declínio físico, o que pode intensificar a consciência da
finitude e da proximidade da morte.
Enfim, considerando o desenvolvimento humano da maioria, seria possível ir além dos
instintos e do pensar, investindo-se mais no amadurecimento emocional? A principal função
da Psicologia não seria ajudar neste desenvolvimento? Ajudar o indivíduo a compreender seu
próprio mapeamento emocional, a entender como a sua psique emocional foi
estruturada/organizada? Ao promover esse desenvolvimento subjetivo, emocional/da
autoestima, a Psicologia contribui, inclusive, para a sociedade.
PARTE III
Retomando a segunda tópica de Freud, é importante mencionar que os conceitos dele
são, originalmente, apresentados em alemão e, ao analisar os conceitos originais, surgiu-me
uma crise epistemológica. No trabalho de Freud, ele utiliza os termos ES, ICH e ÜBER ICH,
que foram traduzidos para o inglês como Id, Ego e SuperEgo, e posteriormente para o
português. No entanto, ao considerar o texto original, é possível adotar a tradução "Isso, Eu e
Acima do eu", abrindo espaço e perspectivas para outras reflexões.
O ES (ou "Isso") é a instância mais antiga no modelo de três instâncias proposto por
Freud, e é onde os impulsos, desejos e necessidades de uma pessoa estão ancorados. Esses
incluem o instinto de sobrevivência, a ingestão de alimentos e o instinto agressivo. Desde o
nascimento, esses impulsos estão presentes e podem ser facilmente observados em bebês, que
expressam suas necessidades através de comportamentos como o choro. Por exemplo, quando
um bebê está com fome, ele gritará até que suas necessidades sejam satisfeitas, o que
representa a operação do instinto de vida (Eros).
Além do instinto de vida, Freud também enfatiza a presença de um instinto de morte
(Thanatos) no ES. Esses processos residem no inconsciente e, se não houver restrições ou
repressões, uma pessoa simplesmente seguiria seus impulsos sem considerar as consequências
ou limitações sociais.
Nessa perspectiva , surge a minha proposição do "unterMich", que se baseia na
argumentação freudiana em torno do ES. Esse conceito supõe que há algo poderoso "embaixo
de mim" que me sustenta e condiciona, mesmo que eu não esteja ciente disso. Pode-se fazer
uma analogia com o desenvolvimento fetal intrauterino, onde, durante os nove meses, há um
desenvolvimento inteligente garantido pela própria natureza. Essa estrutura continua a
sustentar e condicionar ao longo da existência, de forma semelhante ao instinto pulsante
presente em cada indivíduo.
Em seguida, Freud aborda a instância do Ich (ou "Eu"), que desempenha um papel
mediador ao tentar equilibrar os impulsos do ES com os ideais do ÜBER ICH (ou "Acima do
eu"). Os processos do Ich, para Freud, ocorrem na mente consciente e se manifestam na
realidade vivida no dia a dia, especialmente nos momentos de consciência das nossas ações,
escolhas e consequências.
Isso posto, proponho o conceito de "beiMich", que está relacionado ao conceito
freudiano de "Ich" e pode ser traduzido como "eu". Essa tradução sugere a ideia de "comigo",
indicando a influência da nossa socialização na nossa subjetividade emocional e autoestima,
estas que estão sempre comigo.
Em contraste com o "unterMich", o "beiMich" se desenvolve por meio da socialização
e interação social, envolvendo experiências emocionais e o cotidiano. Inicialmente, essa tarefa
de socialização é assumida pelos pais. É importante ressaltar que a socialização e a
individuação (desenvolvimento da autoestima) estão intimamente relacionadas,
influenciando-se constantemente.
O "beiMich" refere-se essencialmente à nossa condição afetiva, ao "eu que sente", aos
nossos sentimentos na vida cotidiana. Esses sentimentos podem variar entre um de bem-estar
ou de sofrimento. Na ambiguidade afetiva e de sentimentos é que nos constituímos e
desenvolvemos – ou não - a própria autoestima.
Por outro lado, a mente ou o "überMich" sonha, imagina, fantasia e idealiza uma vida
feita apenas de momentos agradáveis, prazeres intermináveis, o desejo de ser amado,
considerado importante e aclamado pelos outros. Em outras palavras, vive em um mundo de
sonhos e no mundo da lua.
Então, com o termo "überMich", busco indicar um "eu idealizado" que está acima do
"eu real" e geralmente, é inversamente proporcional à autoestima que temos. Esse eu
idealizado surge por meio da identificação com modelos e implica na comparação entre nós
mesmos e os outros. Isso explica por que nossa relação com os outros é frequentemente
conflituosa. Esse eu idealizado também idealiza um padrão moral rigoroso, representando
leis, regras, normas, proibições, mandamentos, modelos e a evitação de sentimentos de culpa
por meio da autojustificação. As demandas desse eu ideal favorecem o desenvolvimento de
um princípio moralizante, envolvendo julgamentos de bom ou mau, por exemplo, e afastam o
desenvolvimento da autoestima, logo, cheios de valores moralizantes para os outros.
Assim proposto, o "beiMich" estaria entre as outras duas estruturas, ou seja, nossa
condição emocional estaria entre o instintivo e o mundo das ideias. Nossa existência se dá no
movimento constante entre essas três dimensões, ou seja, somos instintos + pensamentos +
emoções, e não é o desenvolvimento racional que garante o equilíbrio subjetivo, mas, é a
maturação emocional que o garante, esta, que caminha de mãos dadas com o desenvolvimento
da autoestima.
PROPOSTA DE OUTRA SEGUNDA TÓPICA: do vazio de autoestima a autonomia
afetiva/emocional
Penso ser bem fácil de entender que cada um de nós, quando nasce – ou ainda na vida
intrauterina, inclusive - chega vazio de autoestima, afinal, está chegando ao mundo no
momento do parto (se bem que, segundo a Psicanálise, já éramos no desejo e na linguagem
dos pais antes da nossa concepção (Freud, 1980)).
Apesar de evidente, convém esclarecer também, que a autoestima se refere a estima
que cada um tem por si mesmo (ao procurar pela etimologia da palavra autoestima,
encontra-se uma mistura entre o grego e o latim, ou melhor, do grego utilizou-se o termo
autós, que significa “a si mesmo” e do latim aestimare, que significa “valorizar, apreciar”).
Assim, fica mais uma vez simples de entender que cada um nasce vazio autoestima, afinal,
como seria possível valorizar e/ou apreciar a si mesmo se ainda não havia um si mesmo?
Havia, como já dito anteriormente, apenas um objeto de desejo de outros, ou ainda, havia um
bebê que tinha valor/apreço (em medidas diversas) para terceiros. E me parece que é assim
mesmo, nesse contexto de objeto de desejo, que cada um começa - precisa começar, ou,
deveria começar - a engatinhar em direção a própria autoestima.
Se bem que, infelizmente, é possível perceber, hodiernamente, que a maioria das
pessoas acaba "entulhando" esse vazio de autoestima com outras coisas e objetos. Inclusive,
por incrível que pareça, uma pessoa milionária pode estar tão vazia de autoestima, quanto
uma pessoa pobre; uma mãe com 10 filhos pode estar mais vazia de autoestima do que uma
mulher sem filhos; um analfabeto pode estar menos vazio de autoestima do que um
pós-doutor; uma faxineira de hospital pode ter autoestima e um médico não; um presidente da
república pode estar mais vazio de autoestima do que um cubano desempregado; um ateu
pode ter mais autoestima do que o papa; um galã de novela pode estar tão vazio quanto o mais
feio dos pedreiros.
Aliás, ultimamente ando pensando muito a respeito dessa condição nossa de cada dia,
qual seja, a condição de corpo orgânico e como ele que define o destino de vida da maioria
das pessoas. Não me parece ser nenhum absurdo, afirmar que o corpo que herdamos de nossos
pais (23 cromossomos são da mãe e 23 são do pai, ou seja, nenhum cromossomo é teu), ou,
que ganhamos da natureza a partir da combinação daqueles 46 cromossomos - afinal, os
nossos corpos se desenvolveram sem qualquer ajuda nossa - não é mérito ou demérito de
qualquer um. Muito menos - um cadáver com vida - deveria ser a condição que define o
destino de uma pessoa, mesmo que essa pessoa seja uma top model internacional. Aliás, é
bem provável que uma mulher, que é uma linda modelo, esteja mais longe de sua autoestima e
tenha mais dificuldades em construí-la do que uma pessoa bem feia. Certamente a top model
confunde ser desejada pelos homens e/ou invejada pelas mulheres com autoestima, o que é
um grande equívoco. Aliás, uma pessoa feia, que é pouco desejada e/ou invejada, tem muito
mais chances de ter que lidar com a própria autoestima do que uma top model.
Ainda em relação às comparações, anteriormente feitas, penso que ficou evidenciado
que a autoestima não tem nada a ver com bens, títulos, posição social, nem mesmo, tem a ver
com os filhos ou com casamentos, afinal, a autoestima é uma questão estritamente subjetiva.
Na verdade, você conhecerá a tua autoestima se suspender todas essas personas (conceito
desenvolvimento por Jung) que você desempenha durante o dia a dia e ver o que sobra de
você. O pior é que, durante uma vida inteira pode-se exercer uma persona importante, ser por
exemplo, um grande intelectual, respeitado e aplaudido por todos, mas, seguir vazio de
autoestima, ou seja, continuar sem apreço por si mesmo, afinal, a pessoa nunca teve tempo
para si mesma (ou será que nunca teve coragem para conhecer e se encontrar?).
Confundir o que se consegue de fora com o que não se tem dentro, é mais comum do
que se imagina. E é tão prejudicial que muitos chegam no fim da vida sem terem sentido a
vida, condenando-se a si próprios por terem apenas sobrevivido uma vida toda, correndo atrás
de desejos e ilusões infantis, entulhando o buraco/a falta da autoestima e assim, nem
chegando perto do desenvolvimento emocional (da própria alma afetiva).
Mas, retomemos a tese central, qual seja, de que nascemos vazios de autoestima e que,
só depois de erigirmos esta, teremos condições de ser livre afetivamente, ou melhor, não ser
dependente emocionalmente, mas, pelo contrário, ter autonomia afetiva. E como já disse
antes, somente assim, poderemos contribuir com a construção de uma sociedade saudável.
Os relacionamentos familiares exercem papel fundamental no princípio do
desenvolvimento emocional, sobretudo, da aceitação que o sujeito tem de si e dos sentimentos
auto-nutridos. Por exemplo, uma criança que tem uma mãe superprotetora - que não lhe
permite sair, brincar com amigos, vivenciar costumes diferentes, adquirir outros referenciais
de relacionamento e, ainda, recebe críticas por tudo que realiza - terá mais dificuldades para
se sentir segura emocionalmente com os outros, mas, sobretudo, consigo mesma. Em geral, a
autoestima é fruto do quanto o indivíduo se sente em relação aos outros e a si próprio: amado,
autoconfiante, capaz, seguro afetivamente, ou inferiorizado, ignorado e inseguro.
Mais adiante, saindo da infância, as condições sociais e culturais também começam a
influenciar e estabelecer limites para que o pré-adolescente/adolescente intensifique (ou
prejudique) a própria valorização e se desenvolva e se torne uma pessoa com autoestima, ou
não. Por meio de vivências emocionais, sobretudo, o indivíduo assimila valores e juízos, que
começam a fazer parte dele e o identificam como um ser único e individual. Porém, o
processo de individuação (conceito de Jung ((2013a)) e de constituição do "eu" requer anos de
vivências e de experiências afetivas (positivas e negativas).
As pessoas costumam buscar seus semelhantes, ou seja, aqueles que compartilham
suas crenças, valores e estilos de vida e elege - ou não - algumas pessoas como modelos de
comportamento, estabelecendo com elas uma identificação.
A partir de vivências afetivas, assimiladas principalmente durante a infância e a
adolescência, o indivíduo vai reforçando o que é prazeroso/vantajoso e recalca o que é
doloroso, chegando à vida adulta com uma determinada organização emocional. A
adolescência constitui a faixa etária em que o indivíduo apresenta modificações físicas,
emocionais e cognitivas que, por sua vez, interferem intensamente na construção da
autoestima.
O jovem e adulto, normalmente se auto avalia de acordo com os “juízos de valor”
introjetados durante o processo de formação de sua identidade, que começou na infância e se
intensificou na adolescência. Essa autoavaliação, enfatiza a comparação com os outros,
sobretudo, as diferenças entre os indivíduos, resultando em muitos rótulos/juízos de valor
como boas ou más, adequadas ou inadequadas, etc, o que implica em processos de aprovação
ou de rejeição, levando a pessoa a apresentar comportamentos agressivos e/ou de defesa,
implicando, por exemplo, em afastamento do contexto por sentir-se posto de lado e ignorado,
considerando-se não interessante para os outros…
A baixa autoestima, geralmente tem origem no controle aversivo do comportamento,
quando todas ou a maior parte das atitudes do indivíduo são criticadas e/ou ignoradas,
desencadeando mais reclusão, inibição e medo de se expor. Nesse contexto, autoimposto, a
pessoa se considera inferior aos outros, desenvolvendo sentimentos negativos em relação a si
mesmo. E esse fator de auto-desvalorização, acaba fazendo, muitas vezes, com que o
indivíduo conduza sua vida projetando em ideais externos e/ou em outras pessoas, o que não
tem/sente por si mesmo.
Trata-se de um constructo interno e pessoal, fortemente influenciado pelo contexto
social e cultural no qual o sujeito está inserido, mas, de forma especial, intensamente
influenciado pelas vivências emocionais com as outras pessoas. Assim, cada um "se"
organiza/estrutura afetivamente e terá que viver a sua vida real/hodierna.
A essa altura já deve ter ficado claro que cada um precisa "sentir" por si mesmo, ou
seja, ninguém pode sentir por você (nem mesmo, pensar por você). Claro que é possível
influenciar e ser influenciado emocionalmente. Aliás, segundo Freud, inclusive sempre
estamos sob influências inconscientes, mas, ainda assim, é preciso um sujeito inconsciente, ou
seja, até mesmo o inconsciente depende de indivíduos para existir.
Mas, considerando a tese/hipótese apresentada - e a provocação exposta até o
momento - gostaria de insistir para que cada um olhe para o próprio umbigo, isso mesmo,
olhe para você, pois ninguém é mais responsável por você do que você mesmo. E a vida em
sociedade também será/seria outra se as pessoas tivessem autoestima. Ninguém mais
precisaria/precisará usar o outro.
A tua autoestima é responsabilidade exclusiva tua. Ou alguém pode matar a tua sede, tomando
água por você?
E nem mesmo, se você for eleito presidente do Brasil, você vai escapar disso, pois o teu vazio
de autoestima está dentro de você e não fora. Nada de fora poderá preencher essa falta.
Mesmo que você passe a vida toda fugindo de você, no mais tardar, na hora da tua morte
orgânica, você terá que ficar de frente com a tua alma afetiva e dar conta (sozinho) de que
precisará seguir sozinho, sem entulhos, bens, títulos; nem mesmo teus filhos e/ou tua
esposa/marido poderão te acompanhar na hora da tua morte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, insistirei mais uma vez, na nossa condição emocional ("beiMich"), que
muitas vezes é ignorada pelos seres humanos, inclusive pelas ciências, até mesmo, por Freud
e pela Psicologia. No entanto, é justamente essa condição que guia a vida de cada indivíduo,
inclusive a do cientista mais racional e a do papa. Ousaria dizer que é essa condição que nos
torna humanos. É importante ressaltar que, no momento, a condição afetiva das pessoas
requer mais atenção, especialmente da Psicologia, o que justifica a proposição de uma
mudança de paradigma, ou seja, da Psicologia mental para a Psicologia emocional.
Como já dito, desde a filosofia grega, a razão tem subjugado o ser humano. Na
verdade, nós animais racionais, nos iludimos tanto com o pensamento que chegamos a
"ignorar" nossa condição animal-instintiva. Porém, a nossa condição animal nunca foi
suspensa e nunca será, basta olhar para nosso próprio corpo, nossa condição orgânica, ou
melhor, enquanto tivermos um corpo, a condição natural-instintiva estará presente e atuante.
Assim como, a condição afetiva de cada pessoa, de cada subjetividade que já viveu e
vive nesse planeta, também nunca foi "neutralizada". Basta analisar qualquer guerra, ao longo
da história, para perceber que todas, em sua essência, foram motivadas ou não evitadas por
questões emocionais/humanas. Até mesmo, ao examinarmos a história e a construção das
religiões, fica evidente que a condição emocional das pessoas as fundamentou e
alimentou/alimenta, inclusive com algumas atrocidades.
Aliás, a grande "motivação" (o eu ideal/überMich) do próprio Freud, não era ser
alguém importante, respeitado e reconhecido pelos colegas? Afinal, quem não deseja ser
aplaudido e ovacionado? E é bom que Freud tenha permitido que essa necessidade
afetiva-emocional o impulsionasse. Nada é mais humano do que começar vazio de autoestima
e ter que caminhar em busca dela.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREUD, S. Psicologia de grupo e a análise do ego. ESB, Rio de Janeiro: Imago, 1980. v.
XVIII.
FREUD, S. O ego e o id. ESB, Rio de Janeiro: Imago, 1980. v. XIX.
FREUD, S. A dissecção da personalidade psíquica. ESB, Rio de Janeiro: Imago, 1980. v.
XXII.
JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade (14ª ed.). (Frei V. Amaral, Trad.).
Petrópolis: Vozes. (2013a).
JUNG, C. G. O eu e o inconsciente (27ª ed.). (D. F. Silva, Trad.). Petrópolis: Vozes. (2015).
T I Webler Jung
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