ensaio: Do vazio de autoestima a autonomia afetiva = PsicologiAfetiva
Do vazio de autoestima a autonomia afetiva = PsicologiAfetiva
Penso ser bem fácil de entender que cada um de nós, quando chega ao mundo - ainda na vida intrauterina, inclusive - chega vazio de autoestima, afinal, não éramos ainda (se bem que, segundo a Psicologia, já éramos no desejo e na linguagem dos pais antes da nossa concepção).
Apesar de evidente, convém esclarecer também, que a autoestima se refere a estima que cada um tem por si mesmo (ao procurar pela etimologia da palavra autoestima, encontra-se uma mistura entre o grego e o latim, ou melhor, do grego utilizou-se o termo autós, que significa “a si mesmo” e do latim aestimare, que significa “valorizar, apreciar”). Assim, fica mais uma vez simples de entender que cada um nasce sem autoestima, afinal, como seria possível valorizar e/ou apreciar a si mesmo se ainda não havia um si mesmo? Havia, como já dito anteriormente, apenas um objeto de desejo de outros, ou ainda, havia um bebê que tinha valor/apreço (em medidas diversas) para terceiros. E me parece que é assim mesmo, nesse contexto de objeto de desejo, que cada um começa - precisa começar, ou, deveria começar - a engatinhar em direção a autoestima.
Se bem que, infelizmente, é possível perceber, hodiernamente, que a maioria das pessoas acaba "entulhando" esse vazio de autoestima com outras coisas, confundindo isso com autoestima. Inclusive, por incrível que pareça, uma pessoa milionária pode estar tão vazio de autoestima, quanto uma pessoa pobre; uma mãe com 10 filhos pode estar mais vazia de autoestima do que uma mulher sem filhos; um analfabeto pode estar menos vazio de autoestima do que um pós-doutor; uma faxineira de hospital pode ter autoestima e um médico não; um presidente da república pode estar mais vazio de autoestima do que um cubano desempregado; um ateu pode ter mais autoestima do que o papa; um galã de novela pode estar tão vazio quanto o mais feio dos homens.
Aliás, ultimamente ando pensando muito a respeito dessa condição nossa de cada dia, qual seja, a condição de corpo orgânico e como ele que define o destino de vida da maioria das pessoas. Não me parece ser nenhum absurdo, afirmar que o corpo que herdamos de nossos pais (23 cromossomos são da mãe e 23 são do pai, ou seja, nenhum cromossomo é teu), ou, que ganhamos da natureza a partir da combinação daqueles 46 cromossomos - afinal, os nossos corpos se desenvolveram sem qualquer ajuda nossa - não é mérito ou demérito de qualquer um. Muito menos, um cadáver com vida, deveria ser a condição que define o destino de uma pessoa, mesmo que essa pessoa seja uma top model internacional. Aliás, é bem provável que uma linda modelo esteja mais longe de sua autoestima e tenha mais dificuldades em construí-la do que uma pessoa bem feia. Certamente a top model confunde ser desejada pelos homens e/ou invejada pelas mulheres com autoestima, o que é um grande equívoco. Aliás, uma pessoa feia, que é pouco desejada e/ou invejada, tem muito mais chances de ter que lidar com a própria autoestima do que uma top model.
Ainda em relação as comparações anteriormente feitas, penso que ficou evidenciado que a autoestima não tem nada a ver com bens, títulos, posição social, nem mesmo, tem a ver com os filhos ou com o casamento, afinal, a autoestima é uma questão estritamente pessoal. Na verdade, você conhecerá a tua autoestima se suspender todas essas personas (conceito desenvolvimento por Jung) que você desempenha durante o dia a dia e ver o que sobra de você. O pior é que, durante uma vida inteira pode-se exercer uma persona importante, ser, por exemplo, um grande intelectual, respeitado e aplaudido por todos, mas, seguir vazio de autoestima, ou seja, continuar sem apreço por si mesmo, afinal, a pessoa nunca teve tempo para si mesma, ou será que nunca teve coragem para conhecer e se encontrar. Confundir o que se consegue de fora com o que não se tem dentro, é mais comum do que se imagina. E é tão prejudicial que muitos chegam no fim da vida sem terem sentido a vida, condenando-se a si próprios por terem apenas existido, correndo atrás de desejos e ilusões infantis, entulhando o buraco/a falta da autoestima, logo, nem chegando perto de desenvolver uma alma afetiva.
Mas, retomemos a tese central, qual seja, de que nascemos vazios de autoestima e que, só depois de erigirmos esta, teremos condições de ser livre afetivamente, ou melhor, não ser dependente emocionalmente, mas, pelo contrário, ter autonomia afetiva.
Os relacionamentos familiares exercem papel fundamental no princípio da construção emocional, sobretudo, da aceitação que o sujeito tem de si e dos sentimentos auto-nutridos. Por exemplo, uma criança que tem uma mãe superprotetora, que não lhe permite sair, brincar com amigos, vivenciar costumes diferentes, adquirir outros referenciais de relacionamento e, ainda, recebe críticas por tudo que realiza, terá mais dificuldades para se sentir segura emocionalmente com os outros, mas, sobretudo, consigo mesma.
Em geral, a autoestima é fruto do quanto o indivíduo se sente em relação aos outros e a si próprio: amado, autoconfiante, capaz, seguro afetivamente, ou inferiorizado, ignorado e inseguro emocionalmente.
Mais adiante, saindo da infância, as condições sociais e culturais também começam a influenciar e estabelecer limites para que o pré-adolescente/adolescente intensifique (ou prejudique) a própria valorização e se desenvolva e se torne uma pessoa com autoestima, ou não. Por meio de vivências emocionais, sobretudo, o indivíduo assimila valores, juízos pessoais, que começam a fazer parte dele e o identificam como um ser único e individual. Porém, o processo de individuação (conceito de Jung) e de constituição do "eu" requer anos de vivências e de experiências afetivas.
As pessoas costumam buscar seus semelhantes, ou seja, aqueles que compartilham suas crenças, valores e estilos de vida e elege ou não algumas pessoas como modelos de comportamento, estabelecendo com elas uma identificação positiva ou negativa. A partir de vivências afetivas assimiladas principalmente durante a infância e a adolescência, o indivíduo vai reforçando o que é prazeroso/vantajoso e recalca o que é doloroso, chegando à vida adulta com uma determinada organização emocional. A adolescência constitui a faixa etária em que o indivíduo apresenta modificações físicas, emocionais e cognitivas que, por sua vez, interferem intensamente na construção de sua autoestima.
O jovem e adulto, normalmente se autoavalia de acordo com os juízos de valor introjetados durante o processo de formação de sua identidade, que começou na infância e se intensificou na adolescência. Essa autoavaliação, enfatiza a comparação com os outros, sobretudo, as diferenças entre os indivíduos, resultando em muitos rótulos/juízos de valor como boas ou más, adequadas ou inadequadas, etc, o que implica em processos de aprovação ou de rejeição, levando a pessoa a apresentar comportamentos agressivos e/ou de defesa, implicando, por exemplo, em afastamento do contexto por sentir-se posto de lado e ignorado, considerando-se não interessante para os outros...
A baixa autoestima, geralmente tem origem no controle aversivo do comportamento, quando todas ou a maior parte das atitudes do indivíduo são criticadas e/ou ignoradas, desencadeando mais reclusão, inibição e medo de se expor. Nesse contexto, autoimposto, a pessoa se considera inferior aos outros, desenvolvendo sentimentos negativos em relação a si mesmo. E esse fator de auto-desvalorização, acaba fazendo, muitas vezes, com que o indivíduo conduza sua vida projetando em ideais externos e/ou em outras pessoas, o que não tem/sente por si mesmo.
Por fim, a definição de autoestima é complexa uma vez que envolve a valoração própria e dos outros, assim como a percepção do “mundo interno” e do mundo externo. Trata-se de um constructo interno e pessoal, fortemente influenciado pelo contexto social e cultural no qual o sujeito está inserido, mas, de forma especial, intensamente influenciado pelas vivências emocionais com as outras pessoas. Assim, cada um "se" organiza/estrutura afetivamente e terá que viver a sua vida.
A essa altura já deve ter ficado claro que cada um precisa "sentir" por si mesmo, ou seja, ninguém pode sentir por você, nem mesmo, pensar por você. Claro que é possível influenciar e ser influenciado. Aliás, segundo Freud, inclusive sempre estamos sob influências inconscientes, mas, ainda assim, é preciso um sujeito inconsciente, ou seja, até mesmo o inconsciente depende de pessoas para existir.
Mas, considerando a tese/hipótese apresentada - e a provocação exposta até o momento - gostaria de insistir para que cada um olhe para o próprio umbigo, isso mesmo, olhe para você, pois ninguém é mais responsável por você do que você mesmo. E a vida em sociedade também será/seria outra quando as pessoas tiverem autoestima, quando os indivíduos tiverem autonomia afetiva. Ninguém mais precisará/precisaria usar ninguém.
A tua autoestima é responsabilidade exclusiva tua.
E nem mesmo, se você for eleito presidente do Brasil, você vai escapar disso, pois o teu vazio de autoestima está dentro de você e não fora. Nada de fora poderá preencher esse vazio. Mesmo que você passe a vida toda fugindo de você, no mais tardar, na hora da tua morte orgânica, você terá que ficar de frente com a tua alma afetiva e aceitar que precisará seguir sozinho, sem entulhos, bens, títulos, nem mesmo filhos e/ou esposa/marido... podem ir contigo.
A tua alma afetiva é apenas tua.
T I Webler Jung
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