ensaio: ”QUARTA TÓPICA”: unterMich + beiMich + überMich

 

QUARTA TÓPICA”: unterMich + beiMich + überMich

Freud é o grande responsável por recompor e reconstruir a visão unilateral do humano, desenvolvendo duas teorias do aparelho mental: na primeira tópica, como já apresentado brevemente, ela foi dividido em três partes (consciente, pré-consciente, inconsciente), mas Freud compreendeu, rapidamente, os limites dessa concepção. Na segunda tópica (1923) ele constrói uma segunda "topografia". Menos focado na mente e mais preocupado em compreender um aparelho psíquico ampliado, ele acaba concebendo uma outra/nova estrutura (o id, ego e superego) da subjetividade humana. A isto já propus uma possível “terceira tópica”, que considera o humano a partir da condição instintiva, afetiva e racional. Agora, venho propor uma possível “quarta tópica”, qual seja: unterMich + beiMich + überMich (embaixo de mim, comigo, sobre mim)


Quem já leu Freud, inevitavelmente, perceberá que estou “ousando” sugerir uma continuidade no percurso já caminhado por ele buscando chegar numa explicação científica para o aparelho psíquico que comporia a condição humana. No caminho de uma Metapsicologia, Freud se deparou com três dimensões constituintes da mente humana, quais sejam, os pontos de vista dinâmico, de economia e o ponto de vista topográfico.

Ele introduziu a ideia - a sua primeira tópica - de que o aparelho mental é composto de diferentes áreas da mente (inconsciente, pré-consciente e consciente), diferentes territórios” regidos por diferentes processos. Não mais satisfeito com a estrutura apresentada na primeira tópica, Freud começou a redirecionar o seu percurso reflexivo. Com o texto Além do Princípio do Prazer (1920) e especialmente, em O Ego e o Id (1923), Freud propôs uma nova topografia do aparelho mental, ou melhor, uma segunda tópica que passou a "abrir" mais o aparelho mental, estruturando um sistema (Id, Ego e Superego) que ultrapassava a mente.

Nessa esteira reflexiva, provocativa e ainda um pouco insatisfeito, há tempos caminho em direção de uma, possível, “terceira tópica” para explicar a nossa condição humana, implicando, sobretudo, em recuperarmos a nossa condição de Natureza (instintos).

 

Que somos “animais racionais” já foi longamente fundamentado, apesar destes fundamentos focar, quase que exclusivamente, na condição racional e bem pouco na nossa condição animal. Aí já temos um exemplo claro e evidente da nossa limitação racional, qual seja, nossa razão é tão débil que desconsidera a nossa condição animal, ou em outros termos, a nossa condição natural/de natureza, condição que nos enraíza, enquanto corpo orgânico, na Terra e nas leis da Natureza.

Um questionamento pertinente: é “inteligente” explicarmos uma árvore considerando apenas a sua “copa”? Pois, fazendo uma analogia, me parece que tendemos a entender o ser humano apenas a partir da sua razão. Perdoem-me os psicólogos e psicanalistas, mas não resisto a outro questionamento: será que a Psicologia também não está muito voltada para a condição racional das pessoas? Afinal, a consciência, as memórias, os sonhos, as percepções, a linguagem e até o comportamento e, por vezes, me parece que mesmo o inconsciente é tratado, em grande medida, apenas a partir da nossa condição racional, como veremos a seguir.

Porém, partindo do pressuposto de que a animalidade nos “enraíza”/raízes e a razão nos eleva para os céus”/copa, faltaria considerar o que faz a ligação entre as raízes e a copa, ou seja, o tronco/caule da árvore. Seguindo a analogia entre a árvore e o humano, o que, em nós, desempenha a função do tronco/caule? Ou melhor, o que, em nós, liga a condição animal/instintiva com a condição racional/das ideias?

Parece que a “outra condição” que nos compõem, ou melhor, a condição que interliga o instinto e a razão é a nossa condição afetiva, esta então, que é comparável ao tronco/caule da árvore. E assim, além de termos uma árvore completa, ainda consideramos a sua ligação com a Terra e com a luz e o calor do Sol, ou seja, com a energia do Universo.

Mas e nós, seguindo a analogia, como seríamos? Um ser humano completo seria condição animal (instintos), afetiva (sentir) e racional (pensar/simbolizar) e a Terra poderia ser o contexto social e a luz e o calor solar poderiam ser os legados culturais humanos, construídos ao longo da história. O que Freud diria?


FREUD E A PRIMEIRA TÓPICA

O aparelho psíquico é o nome que Sigmund Freud usou para considerar a mente humana. Em uma de suas teorias para descrevê-lo, a psicanálise alude às “instâncias” onde ocorrem os diferentes processos psíquicos e fala sobre como a mente é organizada e dividida em diferentes sistemas interligados, cada um com características e funções específicas.

No nível consciente estariam todos os pensamentos, emoções e ações, diretamente relacionados à realidade. É a instância mais acessível para nós, através do qual nos relacionamos com estímulos externos ou internos por meio dos sentidos e das sensações. Esse sistema está relacionado à memória de curto prazo e representa nossa percepção no momento presente, tanto de nós mesmos quanto do ambiente/do entorno. Inclusive, uma característica central do Ego é o princípio de realidade, favorecendo tanto a adaptação às circunstâncias reais, quanto adiar (pré-consciente) nosso desejo se ele não puder ser satisfeito no momento. Ao contrário, o inconsciente não teria essa capacidade, pois procura a satisfação imediata dos seus prazeres e desejos, sem a capacidade de esperar e controlar, caso no qual, predomina o princípio do prazer.

No entanto, a percepção é subjetiva e diferente para cada pessoa, o que explica que não apenas percebemos através do sistema consciente, mas o sistema pré-consciente e inconsciente também estão envolvidos nesse processo e é por isso que às vezes a realidade pode ser vista de forma distorcida.

O nível pré-consciente é aquele entre o inconsciente e o consciente, mas, mais interligado com este último. Representa todos os sentimentos, pensamentos, fantasias, etc. que não estão na consciência, mas que podem facilmente se tornar presentes. É o caso de memórias que havíamos esquecido, mas que só lembramos quando alguém nos fala sobre, ou, quando quase nos lembramos, mas, acabamos usando a expressão "tenho na ponta da língua".

O sistema inconsciente é o nível de consciência menos acessível. Nele estão todos os sentimentos, experiências, desejos, etc. que representam um conflito para nós e que são reprimidos. Isso ocorre porque sua intensidade e conteúdo estão associados a emoções e sofrimentos desagradáveis e, portanto, os afastamos da consciência como mecanismo de defesa. Apesar de, o que está no inconsciente não ser de fácil acesso e estar oculto à nossa consciência, ele nos influencia muito e se manifesta na forma de sintomas, sonhos ou atos fracassados, entre outros.


FREUD E A SEGUNDA TÓPICA

A revolução realizada por Freud - e pela psicanálise - em seu caminhar compreensivo e explicativo, consiste em grande medida, numa nova concepção do sujeito humano, modificando a definição que tanto Descartes quanto Kant haviam elaborado, dotando o ser humano apenas com uma faculdade de representação, ou seja, a consciência.

É Freud o responsável por recompor e reconstruir esta visão unilateral do humano, desenvolvendo duas teorias do aparelho mental: na primeira tópica, como já apresentado brevemente, ela foi dividido em três partes (consciente, pré-consciente, inconsciente), mas Freud compreendeu, rapidamente, os limites dessa concepção.

Para isso, na segunda tópica (1923) ele constrói uma segunda "topografia". Menos focado na mente e mais preocupado em compreender um aparelho psíquico ampliado, ele acaba concebendo uma outra/nova estrutura (o id, ego e superego) da subjetividade humana. É esta segunda tópica que marca efetivamente a ruptura com a filosofia clássica racionalista.

Ao id foi atribuída a característica de "grande reservatório" da libido, das energias pulsionais e do desejo. É descrito por Freud como caos. Segundo ele, o id está em conflito com as outras duas instâncias (ego e superego) e persegue seu desejo de expressar essa energia e promover sua descarga. O id designa a parte mais inconsciente do homem, é o repositório dos instintos humanos, o receptáculo dos desejos reprimidos e não reconhecidos nas profundezas, segundo a teoria psicanalítica. Essas necessidades instintivas precisam ser canalizadas, em particular por meio da sublimação (que consiste em satisfazer indiretamente um desejo instintivo). O exemplo dado pela psicanálise de Freud é o artista sublimando seus impulsos através da arte.

O ego designa a parte da personalidade que assegura as funções conscientes. De acordo com a psicanálise freudiana, o ego é a parte defensiva de nossa personalidade. Tenta, graças a um papel mediador, responder aos respectivos interesses do id e do superego. O ego é descrito, muitas vezes, como uma pobre criatura que deve obedecer a três senhores: o mundo exterior, o id ou polo pulsional, e o superego, o juiz. O ego garante a estabilidade do sujeito, impedindo-o de liberar seus impulsos indiscriminadamente, mediando entre as demandas do id e as demandas do superego.

O superego, na teoria de Freud, representa uma internalização das proibições parentais e culturais, um poder de interdição que o ego é obrigado a levar em conta. Durante a infância, começa um longo e importante processo de construção do superego. O superego é aquela voz em nós que diz “não devemos”, uma espécie de lei moral que age sobre nós sem entender sua origem, mas que tem forte relação com os valores culturais e sociais em que estamos imersos e em que nos desenvolvemos. De forma simplificada, o superego é aquela voz que nos diz o que está errado e que nos impulsiona a nos aproximarmos do ideal do que é bom e correto.


TERCEIRA TÓPICA

Lamentavelmente, a humanidade se convenceu racionalmente, de que é a razão a infraestrutura sobre a qual se deve erigir a vida. Aliás, eu já fiz uma analogia para ilustrar esta ilusão, ou melhor, comparei este nosso equívoco com a possibilidade de estarmos num avião, a 4000 metros de altura, pisar no assoalho do avião e achar que estamos pisando em terra firme; terra firme que, inclusive, será a condição necessária para o próprio avião pousar, afinal, ele não poderá ficar no ar “a vida toda”. O signo da “terra firme” facilmente nos remete a nossa condição orgânica, aqui e agora, com os dois pés no chão da vida real – e não no assoalho do avião – e não do mundo ilusório, dos pensamentos e do imaginário.

Entretanto, a intenção com esta reflexão não é fomentar juízos de valor sobre, mas, mesmo sabendo do intermitente movimento e interação entre instintos, razão e afetividade, podermos ficar atentos, ao que em nossas vidas hodiernas, de fato é a infraestrutura sobre a qual erigimos a nossa existência diária/o nosso movimento de cada dia.

Não é difícil de verificar que a humanidade progrediu “astronomicamente” como animais racionais, a ponto de se “encantar” por ela e querer transformá-la em infraestrutura que tudo sustenta. Digo “e querer” porque, também, não é nada difícil de verificar que progredimos tecnicamente e em conforto devido a carências e medos. De forma que iludidos com a razão, seguimos carentes, com medo e infantis, inclusive na vida social.

Ainda somos, em grande medida, “analfabetos afetivos” em nossas vidas pessoais, o que repercute, inevitavelmente, na vida social e racional. Isto mesmo, não é possível uma sociedade equilibrada se as pessoas que a formam, são desorganizadas afetivamente. E isto não é individualismo, pelo contrário, somente uma pessoa “alfabetizada afetivamente”, conseguirá viver e conviver maduramente em sociedade, sem precisar usar os outros para se sentir bem (o que é uma enorme ilusão, achar que a minha vida/paz afetiva está fora de mim).


PARTE I

O corpo/o físico/o orgânico, que nos assemelha as plantas e aos demais animais, se desenvolve naturalmente, sem a necessidade de precisarmos nos preocupar com esse processo de fecundação, crescimento, envelhecimento e morte. Claro que, ainda infantis na idade afetiva, temos medo do envelhecimento e, sobretudo, da morte orgânica, levando-nos as mais variadas psicoses possíveis, no intuito de nos iludirmos sobre a inevitável morte, que nos aguarda (será que o corpo orgânico sabe disso, de sua finitude?).

Penso que já ficou latente, a partir do exposto, que considero podermos estar em três fases distintas de desenvolvimento ao mesmo tempo, ou melhor, a mesma pessoa pode ter uma idade instintiva, outra emocional e outra racional, ambas em fluxo constante. Certamente, todos já viram, ou ouviram falar, de algum cientista que é altamente intelectualizado (idade racional de ancião), mas na vida afetiva não passa de uma criança, em tal medida que ainda vive com a mãe.

Entretanto, estamos sempre entre o fluxo das nossas três condições, quais sejam, a instintiva, a emocional e a racional. No mínimo, ter consciência delas. No máximo, esforçar-se para seguir amadurecendo na/nas de menos idade. Apesar de nascermos frágeis, tendo a pensar que já nascemos adultos instintivamente, condição que empurra o desenvolvimento racional, e assim, ambas atropelam o processo de amadurecimento da idade afetiva na maioria das pessoas.


PARTE II

Confesso que também ando tentado a pensar que o instinto tem maior predominância na idade infantil, quando o feto/bebê, recém concebido/chegado, prioriza a lei natural da necessidade-satisfação, devido ao instinto da sobrevivência orgânica que se impõe. Nessa pulsão vital, que empurra cada indivíduo à autopreservação orgânica, a questão afetiva toma contornos angustiantes, de insegurança e de dependência, o que acaba por condicionar a organização da “base/matriz” do aparelho psíquico/afetos de cada qual.

Já na idade da adolescência - mesmo o instinto da sobrevivência orgânica seguir pulsando, aliás, este que pulsa até a falência do corpo se impor – parece que esse mesmo instinto natural, qual seja, o da sobrevivência, assume contornos da espécie, ou seja, agora não basta mais apenas a sobrevivência orgânica do indivíduo, mas pulsa também, a sobrevivência da espécie, o que por sua vez, envolve a relação sexual com um outro para que a espécie possa se reproduzir e seguir existindo. Assim, fica evidente, a potência sexual pela qual passamos na idade da adolescência, aliás, naturalmente, a melhor idade para que a procriação da espécie tenha êxito, logo, a lei do desejo-satisfação se impõe imperiosamente. Entretanto, nessa pulsão hormonal, que empurra um indivíduo à busca de outro, a questão afetiva passa a tomar outros contornos, em cada qual.

Aliás, ouso dizer aqui, que o Freud equivocou-se em atribuir tanta importância à sexualidade na infância, pois, é na adolescência que o imperativo sexual se impõe, organizando significativamente o aparelho psíquico/a afetividade. Evidente que a vida instintiva segue operando também, assim como a racional já está bem latente na adolescência e anda de “mãos dadas” com a sexual.

Enfim, chegamos à vida adulta. Os instintos seguem pulsando e a sexualidade já começa a dar um espaço maior aos “afetos não dependentes dela”, afinal, a razão já consegue se impor aos instintos, inclusive ao sexual. Claro que, bem sabemos, que com a idade orgânica progredindo, o próprio corpo já não é o mesmo. Essa questão fica evidente com a menopausa no gênero feminino, ou seja, a melhor idade para procriar já passou (isso sim, é uma castração traumatizante, que Freud nem mencionou). E no gênero masculino, o sangue já não circula mais na mesma velocidade (outra castração angustiante). Assim sendo, estamos na fase de um pouco de independência das leis naturais - apesar de seguirem lá enquanto o corpo tiver vida – e podemos ir um pouco além.

Claro que a maioria das pessoas prefere continuar na rotina de sempre, ou seja, pulsando necessidade-satisfação e desejos-satisfação, no máximo é carregado pelas imaginações/ideias-satisfação.

Assim “sendo”, parece que a organização do aparelho psíquico é fortemente condicionada pelos instintos da autopreservação, de forma que a fragilidade orgânica, também se converte em fragilidade afetiva. E mesmo na idade racional, muito se resume em apenas sobreviver com segurança e conforto. Segurança que começa a ser questionada, mas, dessa vez, na idade adulta, pelo progressivo declínio orgânico. Aliás, parece que instintivamente - ou inconscientemente, segundo Freud - o processo de caminhar para morte martela em nós com mais força depois dos 50?

Estaria, o sentido da nossa vida, na organização do aparelho psíquico a partir dos afetos? Em ir além dos instintos e da razão?

Seria a função da Psicologia ajudar cada indivíduo a compreender a própria matriz afetiva? A entender como se estruturou afetivamente, como organizou o próprio aparelho psíquico? Como estão as idades instintiva, afetiva e racional? Será que é esse o caminho para uma existência a partir da realidade?

Costumo usar o símbolo do átomo para representar esse movimento de constituição do eu, a partir de um intermitente movimento entre os instintos, as ideias e os afetos/sentimentos:

 

 

QUARTA TÓPICA”: unterMich + beiMich + überMich

Primeiramente gostaria de me justificar, brevemente, a respeito dos conceitos em alemão e não em português. Felizmente consigo ler, razoavelmente, na língua alemã e ao me deparar com os conceitos originais de Freud, que uma certa crise epistemológica se instalou. Acabei de falar, um pouco, da segunda tópica do Freud, e foi lendo esta, que eu percebi uma outra possibilidade de reflexão a partir dos conceitos em alemão, ou melhor, no original Freud fala em ES,ICH e ÜBER-ICH, o que foi traduzido para o inglês como Id, Ego e SuperEgo, tradução que chegou até nós, no português. Entretanto, a partir do original, é possível se falar em "Isso, Eu e Acima do eu", conceitos que, por si só, já autorizam uma outra linha de reflexões.

Os impulsos, desejos e necessidades de uma pessoa estão ancorados no ES. Estes incluem, por exemplo, o instinto de sobrevivência, a ingestão de alimentos ou o instinto agressivo. Temos esses impulsos desde o nascimento. Isso torna o "Isso" a instância mais antiga no modelo de três instâncias. Os processos do ES podem ser, facilmente, observados em bebês. Se ele estiver com fome gritará até que suas necessidades sejam satisfeitas, ou seja, é o instinto de vida (Eros) operando. Entretanto, conforme Freud, também há, no ES, um instinto de morte (Thanatos) que pulsa. Esses processos "vivem" no inconsciente e se não houvesse restrições (repressões), você simplesmente perseguiria os seus impulsos.

Aqui está a deixa, para apresentar o meu conceito unterMich, ou melhor, partindo da argumentação freudiana em torno do ES, penso ser possível propor que há algo muito forte "embaixo de mim" que me sustenta e condiciona, mesmo que eu não saiba disso (o desconhecido, ou, o ES para Freud). É fácil de exemplificar: pense no teu desenvolvimento como feto, intrauterino; naqueles nove meses você não tinha consciência de nada, porém, com magnífica inteligência, a própria natureza orgânica garantiu o próprio desenvolvimento. Ou seja, antes mesmo de você começar a pensar, já havia toda uma estrutura que, inteligentemente, se desenvolveu sem a tua menor ajuda. Estrutura que segue "embaixo de mim", me sustenta e condiciona durante toda a existência orgânica (quem leu a minha terceira tópica, notará muita semelhança com a questão do instinto que pulsa em cada indivíduo).

Depois, como já visto anteriormente, Freud fala da instância do Ich. Este que assume uma tarefa mediadora, ou melhor, tenta encontrar um equilíbrio entre os impulsos do ES e os ideais do ÜBER-ICH. Os processos aqui ocorrem na mente consciente e aparecem na realidade vivida ao longo do dia a dia, sobretudo nos momentos de ciência das nossas ações, opções e consequências.

Isso posto, apresento o meu conceito de beiMich, que anda de mãos dadas com o Ich freudiano, ou melhor, considerando que este conceito pode ser traduzido por "eu" e não necessariamente por Ego, já fica mais claro a sugestão do "comigo", implicando diretamente na questão da nossa socialização, esta condição que influencia na nossa subjetividade (no eu) na mesma medida em que pode ser influenciada.

Em contraposição ao unterMich, o beiMich se desenvolve com a socialização, ou seja, com a "adaptação" à sociedade, ou em outros termo, se desenvolve na vida real, no movimento do dia a dia, na interação com o outro. Os pais assumem essa tarefa socializadora, num primeiro momento. Lembrando sempre que a socialização e a individuação andam de mãos dadas, de forma que uma influencia, constante e ininterruptamente, a outra.

O beiMich se refere, essencialmente, a nossa condição afetiva, ou melhor, no eu que "sinto", que tenho os meus sentimentos na vida hodierna. Sentimentos "agradáveis" ou não. Aliás, é na ambiguidade afetiva/de sentimentos que me constituo, ou ainda, é aqui que constituo a minha ética subjetiva. A mente, ou o überMich sonha e imagina/fantasia/idealiza uma vida só de momentos agradáveis, com prazeres eternos, em ser desejado, considerado importante, ovacionado pelos outros... enfim, como diz o ditado popular: vive sonhando, vive no mundo da lua.

Então, com o conceito überMich busco indicar para um eu idealizado, que está bem acima do meu eu real. O ideal que crio para mim, surge através da identificação com modelos, logo, implica na comparação entre mim e os outros. Por isso, fica fácil de compreender que a minha relação com os outros é repleta de conflitos. O eu idealizado, também idealiza, em seu mundo perfeito, um estrito padrão moral, representa leis, regras e normas, proibições, mandamentos, modelos e a evitação de sentimentos de culpa, através das autojusticações. As exigências deste eu ideal favorecem, a meu ver, o desenvolvimento de um princípio moralizante (juízos de bom ou mau, por exemplo).

Isso posto, de forma apenas provocativa, fica evidenciado que diferente de Freud, posiciono o überMich (o mundo das ideias, logo, dos ideais) não entre o unterMich, o beiMich, mas, acima, porém, não no sentido de superioridade. Nesta linha hipotética, o beiMich estaria entre as outras duas estruturas, ou seja, a nossa condição afetiva estaria entre a instintiva e o nosso mundo das ideais. 


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, quero apenas, focar na nossa condição afetiva (beiMich), tão ignorada por nós humanos - inclusive nas ciências (inclusive por Freud?) - apesar de ser ela a condutora da vida de cada um, inclusive, a do cientista mais “calculista”. Aliás, ouso dizer de imediato, que é justamente esta, a condição, que nos torna humanos. Quero apenas enfatizar que a condição afetiva das pessoas, requer mais, no momento, a nossa atenção, sobretudo na Psicologia.

A razão, desde a filosofia grega, vem subjugando o ser humano. Na verdade, as pessoas racionais se iludiram com isto, afinal, a nossa condição animal jamais foi suspensa e jamais será; basta considerar a nossa condição orgânica, ou seja, enquanto tivermos corpo a condição natural estará pulsando em nós.

Assim como, a condição afetiva de cada pessoa/subjetividade que já viveu no planeta, também jamais foi “neutralizada”; basta analisar qualquer guerra que houve ao longo da história para perceber que todas, em sua base, foram movidas – ou não evitadas - por questões emocionais; até mesmo, se adentrarmos um pouco mais na história e construção das religiões, evidenciar-se-á que a condição afetiva das pessoas as fundamentou e alimentou, inclusive com algumas barbáries.

Aliás, a grande “motivação” (o eu ideal/überMich) de Freud não era ser alguém importante, respeitado e reconhecido pelos colegas? Mais humano impossível. Afinal, quem não quer ser aplaudido e ovacionado? E, que bom que Freud “deixou” o afetivo movê-lo.

Pois bem, infiro a partir do exposto, que somos então: condição animal (unterMich), afetiva (beiMich) e racional (überMich). Porém, enquanto a nossa condição animal já está programada/dada, desde a concepção, para autopreservação (sobreviver e reproduzir (reprodução das células, da espécie...)), com a condição afetiva e racional não ocorre o mesmo, ou seja, estas duas condições não estão dadas, mas, precisam ser construídas “em” e por cada indivíduo. Felizmente, a condição racional é bastante nutrida pela educação escolar.

Parece que, de fato, apenas a nossa condição afetiva segue por conta própria, ou seja, acaba se desenvolvendo aos trancos e barrancos.



T I Webler Jung


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Psicologia e neutralidade

crônica - O TRIPÉ DA PSICANÁLISE X A PRÁTICA EM PSICOTERAPIA