crônica: DIGA-ME O QUE DESEJAS E EU TE DIREI O QUE TE "FALTA"

 

DIGA-ME O QUE DESEJAS E EU TE DIREI O QUE TE "FALTA"

Certamente você já ouviu o ditado "diga-me com quem andas e eu te direi quem tu és" (que não é bíblica, pois não está na Bíblia), frase bastante provocativa e com uma profunda e significativa validade humana. E é, exatamente, a minha intenção, fazer este "trocadilho", a fim de atrair a tua curiosidade e direcionar uma outra reflexão, um pouco menos intersubjetiva e muito mais subjetiva. Se bem que, a frase original, apesar de ela remeter às convivências sociais, ela também almeja o autoconhecimento, ou seja, conhecer e revelar a subjetividade (quem eu sou) e não há uma preocupação efetiva, com quem eu ando ou deixo de andar, de fato.

Convido para caminhar comigo, além de você, o Freud e o Lacan, afinal, foram as teorias deles que me inspiraram a este modesto percurso.

Para Freud, o desejo é um movimento psíquico - de energia sexual (?) - que busca reinvestir/repetir a experiência da satisfação original vivenciada na infância. Essa energia psíquica, também entendida como energia libidinal, está sempre em movimento no aparelho psíquico (sistema inconsciente e sistema pré-consciente/consciente). Energia que sempre busca uma expressão na consciência, mas, para isso, precisa ultrapassar a barreira da repressão. Para tanto, os representantes da energia libidinal, presentes nos conteúdos inconscientes, fazem uma operação de "transação" com os demais conteúdos mentais, em que se ganham e se perdem cargas de energia, que fazem com que o conteúdo inconsciente seja deformado de tal forma que supere a repressão. É o caso do desejo, que realiza o mesmo processo para alcançar a realização do desejo no sonho. Além disso, o desejo fomenta a capacidade de fantasiar, de imaginar e, portanto, também constitui a base da articulação fantasmática da consciência.

Ainda, Freud explica que o desejo busca sempre um objeto perdido, mas perdido porque esse "paraíso" nunca existiu. Dessa forma, para Freud, o desejo tende a regredir, voltar à procura daquele objeto em sua nostalgia. O desejo, nos humanos, é por definição insatisfeito, nenhum objeto pode preenchê-lo, há sempre um traço de insatisfação. O que não significa que não haja momentos de realização. Mas também pode haver alucinações, que são realizações de desejos.

Para entender melhor, quais são esses desejos infantis, que vão para o lado do recalcado e do impossível, é preciso abordar a lógica do objeto que Freud desenvolve. Ele fala do “objeto de satisfação” (Freud, 1900), referindo-se a um objeto que parte de uma satisfação original que a partir daquele momento buscará ser revivida, nos moldes daquela primeira satisfação.

Assim, a realização do desejo é, na verdade, a realização alucinatória do desejo. É apenas a memória de uma realização daquele desejo, que ocorre através dos "representantes" psíquicos. O que é dado é uma ilusão de satisfação que só permite que o desejo emerja na consciência e essa energia seja transformada.

Enfim, só um pouco de Freud para fomentar o teu "desejo" por mais.

Enquanto para Freud a origem do desejo se deve à repetição da satisfação originária, para Lacan a "pressão que opera" se deve à "falta", ou seja, a falta é uma característica inerente ao ser humano. É a falha constituída pela "castração" que o persegue constantemente, mas, da mesma forma, é também o motor que o impulsiona a fazer algo com sua própria vida. Além disso, é essa falta que nos faz participar da cultura, que nos empurra ao relacionamento com os outros e que permite a existência da linguagem.

Para Lacan, o desejo se define por uma separação essencial de tudo o que corresponde pura e simplesmente à direção imaginária da necessidade. O desejo, sendo um conteúdo implícito dentro da cadeia "significante", causa um efeito de surpresa no sujeito, e é assim que as formações do inconsciente o demonstram. O desejo se sustenta na estrutura simbólica/memórias e por isso permanece em circulação no significante, que, como todo conteúdo inconsciente, está sempre disponível e pronto para reaparecer.

Por fim, quem sabe o teu maior desejo, agora, seja o mesmo que o meu: entender o que acabo de escrever. Assim sendo, o que nos "falta" é ler mais Freud e Lacan. hehehe

Mesmo assim, vou ousar uma reflexão conclusiva, a partir do exposto e do título desta "diga-me o que desejas e eu te direi o que te falta": em primeiro lugar, deixo em tuas mãos, esse processo de você tomar conhecimento dos teus desejos mais profundos (ser amado, ser desejado, ser valorizado, ser importante, ser necessário...); segundo, estes desejos te remeterão, conforme Lacan, ao que falta em você, ou melhor, falta dentro de você e nenhum outro, nada externo poderá preencher esta falta. Só você sente "a falta" que opera dentro de você. Claro que, em muitos casos, é salutar entender essa falta que te conduz e orienta, e nem sempre, te conduz por caminhos muito saudáveis e, com certeza, te orienta por caminhos de "uso" das outras pessoas e/ou da necessidade de "bengalas" para conseguir andar.

No fundo, é a falta que me/te faz desejar e move. Mas qual "falta"? Eis a questão! E cada um precisa - deveria - responder a sua própria. 

  

 

                                                                                                                            Tercio Inacio










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