crônica - PSICANÁLISE E CHEIRO DE PORCO: uma analogia incomum

 

PSICANÁLISE E CHEIRO DE PORCO: uma analogia incomum


Recentemente, viajando de “van escolar”, em direção a mais uma aula de Psicologia, fui inspirado a essa analogia, nada comum.

Eu estava sentado no banco dianteiro, ao lado do motorista, relendo o texto para a aula que me aguardava, quando, de repente, comecei a sentir (prefiro o termo “sensetir”, já que se refere ao uso dos sentidos, no caso do olfato, e não de sentimentos) o cheiro, nada agradável, de porcos. Ou sendo mais claro, do cheiro do esterco de porcos.

Como já temos alguns anos de experiência na vida, tanto o motorista quanto eu, logo deduzimos que tinha um caminhão à frente, mesmo sem vê-lo ainda, levando porcos para o seu triste fim. Imediatamente, o motorista mudou a programação do ar-condicionado para, apenas, circulação interior do ar, a fim de evitar que o cheiro continuasse entrando na van. Não tardou para que eu sugerisse que a situação do motorista do caminhão fosse bem mais desconfortável, afinal, ele estava sentando a poucos centímetros de sua carga de porcos e, possivelmente, já a um longo tempo. Porém, bem sabemos/já sabíamos, que a pessoa que lida diariamente com a mesma situação, no caso, com os porcos e seus odores, acaba por se acostumar de tal forma que nem nota mais o cheiro do esterco dos ditos cujos.

Como estava me dirigindo para uma aula de Psicologia, não pude deixar de fazer uma analogia – pouco comum - qual seja, de comparar aquele fato com um momento da análise, de terapia...

Calma, calma caro leitor, ninguém será comparado a um porco. Apesar de invejar a tranquilidade dos porcos, indo para o matadouro, bem sei que seria/é uma comparação irreal.

A comparação, que me ocorreu, foi entre nós (motorista e eu) e entre o terapeuta e o motorista do caminhão (analista e o cliente/paciente). Será que o terapeuta também já não “sensente” o “cheiro” assim que entra em contato e o paciente, acostumado e vivendo em contato constante, acaba por se acostumar ao problema (afinal, ninguém procura um terapeuta sem ter um problema que queira/precise trabalhar) e não o “sente” mais em sua especificidade subjetiva, de forma que nem consegue chegar perto da causa primeira e fundante do problema, pois passa a se distrair com sintomas diversos, mas o “cheiro” segue lá, grudado na subjetividade.

Lembrei agora, de um amigo, que trabalha com engorda de porcos. Um baita amigo, trabalhador, gente boníssima, mas, infelizmente, o cheiro do esterco dos porcos não o deixava tão facilmente, apesar do esforço dele, na busca de odores melhores, sobretudo, nos finais de semana. Claro que isso não é empecilho para a nossa amizade, porém, a convivência dele com as amigas já é um pouco afetada. Hehe

Mas, retomemos a analogia.

Convém esclarecer que a questão dela, que pretendo provocar, não gira em torno de melhore ou piores odores, afinal, em geral, os odores não garantem nada por si só, entretanto, eles podem indicar para alguma “outra” coisa/questão, que pode ser intrigante. Em termos psicanalíticos é possível dizer, penso eu, que os sintomas se comparam aos odores - evocados nesta crônica - e que eles servem de guia para ir em busca do que os causa. E nesta busca das causas, que alguém de fora, com experiência e conhecimento, pode ser fundamental para ajudar no direcionamento e na conscientização dos cheiros/odores que afetam a cada um.

Quem vai decidir se afastar – ou não – do cheiro de porco, terá que ser a própria pessoa, que, em muitos casos, já está tão acostumada a ele, que o afastamento pode ser mais prejudicial do que seguir envolto por ele.

Em termos terapêuticos: quem vai decidir atravessar o/um problema é a própria pessoa - afinal, o problema/o “não estar bem” está nela e não fora dela – e o primeiro passo pode ser dado na direção da busca de ajuda qualificada.

Por fim, me ocorre uma questão: será que os porcos se incomodam com os nossos perfumes humanos?



Tercio Inacio

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