crônica: A PSICOLOGIA NO DIVÃ
A PSICOLOGIA NO DIVÃ
- Bom dia caríssima! Acomode-se no divã, por favor.
- Bom dia! Obrigada doutor!
- Não precisa me chamar de doutor, pois ainda não fiz Doutorado em Psicologia.
- Está bem! E já que estás sendo sincero, tenho uma sincera questão preliminar: gostaria de saber o preço da sessão e a duração, pois não quero sair daqui, quando encerrarmos hoje, com mais um trauma.
- É justo e está no seu direito! Inclusive, conforme o nosso Código de Ética, eu devo comunicar o valor antes do início do trabalho a ser realizado. Assim sendo, em respeito aos meus clientes e a minha classe, eu uso, como referência, o valor mínimo da tabela de honorários estabelecida pelo Conselho Federal de Psicologia, que hoje está em torno de 200,00. Posso cobrar menos, se a senhora achar necessário, mas nunca cobro mais. Já a respeito do tempo de cada sessão, infelizmente, o Código de Ética não foi muito ético para com os usuários do nosso serviço, pois não estabeleceu nem “um mínimo” de duração. Enfim, em respeito aos que procuram a minha prestação de serviço, o meu “ouvir qualificado”, eu fico disponível por 50 minutos/sessão, que é a orientação do Conselho. Se você quiser sair antes, o que não recomendo, você pode sair, mas eu ficarei aqui os 50 minutos. Inclusive, se tivermos agendado uma sessão e você não comparecer – e nem desmarcar um dia antes (a não ser por algum motivo grave) – eu também estarei aqui, disponível para você, logo, o tempo da sessão será cobrado.
- Certo! Entendido e de acordo! Agradeço pelo respeito que me dispensas.
- Merecido! Mas e então, o que a traz aqui?
- Pois é... Eu não me sinto bem. Eu ando me sentido mutilada. Sinto-me perdida e não sei mais, ao certo, o sentido da minha existência. Enfim, não estou me SENTINDO BEM há algum tempo.
- Fale mais sobre isso.
- Falar, falar, falar! Tá certo, afinal, vim para o lugar, para o espaço no qual, a fala e a escuta são o principal meio de acesso, de busca e de entendimento, da angústia que me trouxe até aqui.
- Sim, perfeito. Podes falar mais sobre essa angústia? Não pense muito antes de falar, apenas fale e veremos o que aparecerá.
- Então! Ando me sentindo mal compreendida pelos outros. Está certo que nem eu sei completamente quem eu sou, mas estou em busca, sempre atenta aos meus sentimentos, sobretudo. Inclusive, posso afirmar que são os sentimentos que me enraízem na vida real, no aqui e agora. Não teve um filósofo que disse “penso, logo existo”? Pois eu diria: sinto, logo existo. Aliás, foi o sentimento de não estar bem/estar angustiado que me trouxe até aqui.
- Preciso insistir para você não pensar tanto antes de falar. Tudo o que você disse está correto, quase que cientificamente. Entretanto, você não precisa elaborar aqui, uma tese científica. Também não precisa se confessar, como se estivesse na frente de um padre. Claro que as duas coisas podem acabar acontecendo, mas, buscamos algo que está além do pensar e do falar estruturados logicamente.
- Está bem! Vou tentar! Mas esse falar “livremente” não é nada fácil para mim. Sendo assim, quando o senhor falou em “confessar”, lembrei imediatamente do sentimento de culpa. Ou melhor, será que eu não me sinto culpada por não estar sendo muito clara, uma vez que os outros não estão me compreendendo bem? Na verdade, não é que os outros me compreendem mal, mas, eles me tratam de forma compartimentada/separada e isso gera entendimentos parciais. Posso tentar exemplificar a partir do corpo: alguns apenas enxergam uma cabeça, ou seja, consideram apenas a capacidade teórica para perceber, entender e explicar algumas coisas; outros, enxergam apenas músculos, ou melhor, enfatizam apenas os comportamentos/o agir, o que/como/porque faz ou deixa de fazer algo; muitos outros, sobretudo os homens, reparam apenas nos seios e na bunda, e consideram apenas a sexualidade corporal. Por isso ando angustiada. Muitas vezes me sinto esquartejada e vendida por partes, a quem consegue pagar mais.
- Profundo! Apesar de bem lógico/bem pensado e falado, muito significativo e significante. Gostaria que você refletisse e sentisse a repercussão disso que você acabou de falar em você até a nossa próxima sessão. Viu! Já se passaram 50 minutos. Nos encontramos semana que vem?
- Sim, com certeza. Obrigada! E até semana que vem.
Tércio
Inácio
Dr, será que precisa levar dever de casa e uma qualificação?
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