ensaio (tese/parte I): NASCEMOS VAZIOS AFETIVAMENTE?

 

Tese (parte I):

NASCEMOS VAZIOS AFETIVAMENTE?

Que somos “animais racionais” já foi longamente fundamentado, apesar destes fundamentos focarem, quase que exclusivamente, na condição racional e bem pouco na nossa condição animal. Aí já temos um exemplo claro e evidente da nossa limitação racional, ou seja, nossa razão é tão débil que desconsidera a nossa condição animal, ou em outros termos, a nossa condição natural/de natureza, condição que nos enraíza, enquanto corpo orgânico, na Terra e nas leis da Natureza.

Ocorreu-me um questionamento, agora: é “inteligente” explicarmos uma árvore considerando apenas a sua “copa”?  Pois, fazendo uma analogia, me parece que tendemos a entender o ser humano apenas a partir da sua razão. Perdoem-me os psicólogos e psicanalistas, mas não resisto a outro questionamento: será que a Psicologia também não está muito voltada para a condição racional das pessoas? Afinal, a consciência, as memórias, os sonhos, as percepções, a linguagem e até o comportamento e, por vezes, me parece que  mesmo o inconsciente é tratado, em grande medida, apenas a partir da nossa condição racional.  

Entretanto, é “impensável” querer ignorar a nossa condição racional, mas, também é bastante “inteligente” considerarmos mais, a nossa condição animal. Porém, se a animalidade nos “enraíza”/raízes e a razão nos “eleva para os céus”/copa, falta considerarmos o que faz a ligação entre as raízes e a copa, ou seja, o tronco/caule da árvore. Seguindo a analogia entre a árvore e o humano, o que, em nós, desempenha a função do tronco/caule? Ou melhor, o que, em nós, liga a animalidade a racionalidade?

Eis que cheguei a “intuir” uma “outra condição” que nos compõem, ou melhor, a condição que interliga as raízes e a copa, qual seja, a nossa condição afetiva, esta então, que é comparável ao tronco/caule da árvore. Agora sim, podemos começar a falar de uma árvore viva, enraizada na Terra, com um tronco vivo, por onde pulsam os minerais/química e a energia, esta captada pela copa, copa que faz a conexão direta com a luz que está para além da Terra.

E assim, além de termos uma árvore completa, ainda consideramos a sua ligação com a Terra e com a luz além Terra, ou seja, com o Universo.

Mas e nós, seguindo a analogia, como seriamos? Um ser humano completo seria condição animal (agir), afetiva (sentir) e racional (pensar/simbolizar) e a Terra poderia ser o contexto social e a luz além Terra poderiam ser os legados culturais humanos (e quem sabe, além humanos, que ainda nem conhecemos), construídos ao longo da historia. (Já adianto que isto não tem relação alguma com as religiões, estas que, na verdade, tem sua origem na condição afetiva, de carências, inseguranças e projeções emocionais das pessoas).

Então! Vamos falar deste humano? Deste eu, você, nós? “Animal-afetivo-racional”, numa sociedade, mas também, abertos/conectados a um Universo maior? (preciso dizer que aqui, lembrei do inconsciente freudiano, ou seja, deste algo maior que nos perpassa...).

Na verdade, não.

Quero apenas, neste momento, focar na nossa condição afetiva, tão ignorada por nós humanos - inclusive nas ciências - apesar de ser ela a condutora da vida de cada um, inclusive, a do cientista mais “calculista”. Aliás, ouso dizer de imediato, que é justamente esta, a condição, que nos torna humanos. Calma, calma! Parece que entrei em contradição, pois, a pouco, falei da nossa condição humana total, a qual reitero, e a qual, sempre estará pulsando em minhas reflexões, entretanto, quero apenas enfatizar que a condição afetiva das pessoas, requer mais, no momento, a nossa atenção, sobretudo na Psicologia.

Digo “no momento”, pois a razão, desde a filosofia grega, vem subjugando o ser humano. Na verdade, as pessoas racionais se iludiram com isto, afinal, a nossa condição animal jamais foi suspensa e jamais será; basta considerar a nossa condição orgânica, ou seja, enquanto tivermos corpo a condição natural estará pulsando em nós. Assim como, a condição afetiva de cada pessoa/subjetividade que já viveu no planeta, também jamais foi “neutralizada”; basta analisar qualquer guerra que houve ao longo da história para perceber que todas, em sua base, foram movidas – ou não evitadas - por questões emocionais; até mesmo, se adentrarmos um pouco mais na historia e construção das religiões, evidenciar-se-á que a condição afetiva das pessoas as fundamentou e alimentou, inclusive com algumas barbáries.

Isto posto, e no intuito de um contraponto ao paradigma da razão, penso estar na hora de retomar o título, a tese deste, que leva ao âmago da nossa condição afetiva, qual seja, NASCEMOS VAZIOS DE AFETOS?

Você já pensou sobre isto? Sobre a tua constituição afetiva? Inclusive, ouso mais, será que Freud considerou efetivamente esta condição subjetiva em suas longas e respeitáveis teorias do sonho, da sexualidade e do inconsciente? E os outros psicólogos, ou fundadores da Ciência da Psicologia, quanta pesquisa e estudos dedicaram aos sentimentos? De uma coisa tenho certeza, todos, no fundo, foram movidos pelos seus próprios afetos, no começo e durante estas intrigantes e maravilhosas construções reflexivas. Inclusive, também tenho certeza, de que estas extraordinárias teorias e suas repercussões, fizeram parte no preenchimento do vazio afetivo de cada autor delas. Sei que “preenchimento do vazio afetivo” parece não pegar bem para estas autoridades no assunto, entretanto, ser autoridade numa área, escrever muitos livros... não garante a constituição de uma condição afetiva “saudável”, pelo contrário, geralmente é uma forma de “entulhar” o vazio afetivo, de fugir do próprio vazio afetivo, vazio que é de cada um, ou ainda, constituinte de cada subjetividade , afinal, é este vazio afetivo que move todo e qualquer indivíduo. Muitas vezes chego a pensar em “alma afetiva”, que requer desenvolvimento.

Então, constituir a “alma afetiva” (que eu resumo na construção da autoestima), é bem diferente de querer entulhar o vazio afetivo com bens, títulos, poder, religião ... até mesmo, em muitos casos, o cônjuge e/ou os filhos podem desempenhar esta função, de objetos com os quais quero preencher o meu vazio de autoestima (quando estes, não são apenas, necessidade e fruto da pulsão sexual, ou melhor, da pulsão natural de manutenção da espécie), que eu preciso construir dentro de mim, ou seja, apesar da obviedade, a minha autoestima não está fora de mim, mas dentro de mim, ou ainda, em mim, logo, só eu posso construir/desenvolver a minha e ninguém mais, nem mesmo os deuses, quaisquer que sejam.

Aliás, a grande “motivação” de Freud não era ser alguém importante, respeitado e reconhecido pelos colegas? Mais humano impossível, afinal, quem não quer ser aplaudido e ovacionado?  E, que bom que Freud quis entulhar o vazio afetivo dele desta forma. Hehe

 Pois bem, infiro a partir do já exposto, que somos então: condição animal (infraestrutura), afetiva (estrutura) e racional (superestrutura). Porém, enquanto a nossa condição animal já está programada/dada, desde a concepção, para autopreservação (sobreviver e reproduzir (reprodução das células, da espécie...)), com a condição afetiva e racional não ocorre o mesmo, ou seja, estas duas condições não estão dadas, mas, precisam ser construídas “em” e por cada indivíduo. Certamente, Kant, a respeito da razão, não concordará comigo, pois, para ele, já há elementos, a priori, dados na razão. Aproveito a “deixa” para dizer, novamente, que não me debruçarei, neste, sobre a nossa condição racional, mas, mantenho a clareza da nossa condição total.

Mas e o vazio afetivo, nos precede? E a condição afetiva já pulsa desde a concepção ou só depois do nascimento? Ou, já que somos 23 cromossomos do pai e 23 cromossomos da mãe, será que herdamos um pouco das estruturas afetivas deles?

Certamente, a este respeito, há mais perguntas do que respostas, afinal, é um novo paradigma para a compreensão da subjetividade humana.

Nascermos vazios afetivamente explica muita coisa em nosso mundo humano. Cada um ter que desenvolver a própria “alma afetiva”, a autoestima pessoal, também. Inclusive, a vida em sociedade só melhorará se os indivíduos crescerem na própria autoestima, ou seja, apesar de parecer um paradigma individualista, num primeiro momento, ele tem mais a contribuir socialmente do que qualquer paradigma social apresentado até agora. Ou será que uma sociedade, formada por pessoas menos carentes afetivamente, sobretudo, de aplausos e reconhecimento, não resultaria em menos competição, discriminação, exploração... e em mais democracia, vida fraterna, cooperativismo etc?

Em síntese, a vida em sociedade só estará bem se eu, você e cada pessoa estiver bem consigo mesma, caso contrário, ou seja, em caso de baixa autoestima, o indivíduo só usará os outros como objetos, tentando preencher o próprio vazio afetivo, resultando na situação social já apregoada por Hobbes e por vários outros pensadores, que eu considero “realistas” e não de pessimistas, afinal, com indivíduos carentes, não conscientes do próprio vazio afetivo, a realidade esperável não poderia/pode ser outra. Acredite!

Se você está se questionando a respeito desta condição subjetiva, deste vazio afetivo, sugiro a seguinte análise pessoal: o que sobra de você sem os teus papéis e funções? Ou melhor, suspenda a tua condição de marido/esposa, mãe/pai, filho/filha,  o teu emprego (mesmo sendo o presidente da república), o teu título acadêmico, até mesmo, a tua função de síndico do prédio (ser for o caso) e aí sim, o que sobrar ISTO É VOCÊ, apenas isto, simples assim. Agora sim, te apresento a você.

Dureza? Certamente. E se não foi “dureza”, refaça a análise, pois lamento dizer, mas você não conseguiu – provavelmente não teve coragem – te olhar no espelho afetivo, apenas te viu, novamente, no espelho do ego.

Mas não se desespere, pois me parece ser possível afirmar, que até este momento, nós humanos ainda não sabíamos desta nossa condição, qual seja, de que nascemos vazios afetivamente; que precisamos desenvolver a nossa alma afetiva; que cada um precisa erigir a própria autoestima. 

 

   Tércio Inácio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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