Ensaio(1) - SOMOS: INFRAESTRUTURA, ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA
Ensaio
SOMOS: INFRAESTRUTURA, ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA
Inspirado pelos conceitos de infraestrutura e superestrutura de Marx, com os quais ele pretendia explicar as condições da vida em sociedade, ou seja, o materialismo histórico, segundo o qual, as ideias/o modo de pensar (superestrutura) das pessoas derivaria da base material de produção (infraestrutura) de uma sociedade. Assim sendo, e como os conceitos já deixam claro, é sobre a infraestrutura que a superestrutura é construída.
Entretanto, apesar de partir de dois conceitos marxistas, a minha intenção não é social, mas, pelo contrário, é provocar uma reflexão a respeito da constituição do indivíduo.
Nesta busca auspiciosa, além do Marx, também caminho na companhia de um grupo de estudos, grupo com mais de 15 anos de estrada. O mentor destes debates, o Paulo Leal, vem incansavelmente nos desafiando, orientando e incentivando a refletirmos sobre a nossa condição humana a partir de uma “inteligência natural” que sustenta toda a vida orgânica/natural (inclusive a nós humanos) e de uma “racionalidade” que nos distingue dos demais animais, entremeando assim, o nosso pensar (relacionar memórias das sensações) com os nossos sentidos (de conhecermos o mundo através dos nossos sentidos/sensações, como todos os animais (os 5 sentidos exógenos: visão, tato, olfato, audição, paladar; mais 2 sentidos endógenos: sobreviver e reproduzir-se)).
Ou seja, do meu ponto de vista, temos novamente, a questão da infraestrutura (inteligência natural) e da superestrutura (racionalidade) apresentadas, entretanto, desta vez, para fundamentar a constituição do indivíduo enquanto ser natural e racional.
Nesse viés, costumo dizer que, não teremos mudanças sociais sem termos mudanças no indivíduo, na maneira dele compreender a si mesmo, de forma que me filio à busca do entendimento do indivíduo, entendimento que depende da racionalidade, mas, indivíduo que é muito mais do que apenas o “endeusado” pensar, geralmente sobreposto a nossa condição animal/de natureza. Inclusive, a nossa condição de “pensar” – a nossa superestrutura - já foi devidamente compreendida e explicada pelo Descartes e pelo Kant. Claro que nós, humanos modernos “fazedores”, não temos tempo para lê-los, logo, além de não compreender a explicação deles, seguimos sem entender a nossa condição de “pensadores” e seguimos “fazendo” mais bobagem - nos confundindo e nos iludindo, criando até mesmo deuses na esperança de nos salvarem de nós mesmos – do que qualquer outra coisa, colocando inclusive a nossa existência, como animais, em perigo.
Inclusive, o nosso grande equívoco refere-se justamente a querer negar - racionalmente - a nossa condição de animais, ou seja, de sermos seres de natureza, com uma inteligência natural que nos sustenta e condiciona neste mundo, enquanto tivermos corpo físico. Essa é a infraestrutura que nos garante, até mesmo independente de nós; ou será que você precisa pensar e orientar os processos de divisão celular que ocorrem em você, a tua digestão e separação e absorção de vitaminas, o teu crescimento orgânico... ? Enfim, todos os organismos vivos tem inúmeros processos vitais garantidos por esta inteligência natural. Aliás, se analisarmos bem, perceberemos que a própria geração de filhos, no fundo, é apenas outro condicionamento da inteligência natural, preocupada em garantir a manutenção de toda e qualquer espécie.
Claro que a geração de filhos, sem ter condições de os alimentar e sustentar (nem falo em condições de criar e educar...) provém de uma outra condição humana, afinal, nem a inteligência natural, nem a razão humana poderiam condicionar os humanos a uma insanidade dessas, ou seja, há algo entre a infraestrutura natural e a superestrutura racional que impera nesses – e em inúmeros outros - casos de desumanidade.
Chegamos assim, a uma condição exclusivamente individual, ou melhor, a estrutura da afetividade, esta que nos diferencia dos animais (leis naturais universais) e dos demais humanos (questões mais coletivas e culturais), individualizando-nos em sujeitos de afetos e “afetáveis” pelos outros. Só assim, torna-se possível compreender os motivos, nem naturais e nem racionais, que condicionam um indivíduo a gerar filhos sem ter condições de alimentá-los, ou seja, os motivos só podem ser os de carência afetiva própria, tamanha, que faz o indivíduo querer se sentir vivo através da vida de outros, inclusive, através da vida precária destes outros, desde que a sua estrutura afetiva esteja satisfeita.
Impossível não lembrar aqui da religião, ou melhor, da criação de deuses para, no fundo, apenas atender as carências individuais de muitos. Afinal, estariam os hindus corretos, ou os judeus, ou os budistas, ou os cristãos, ou os muçulmanos...? E quem dentre estes está “correto”, automaticamente considera os outros como errados, complicando a tolerância religiosa. Entretanto, os critérios de “correto e errado” são critérios racionais e a questão religiosa (necessidade de crença) me parece mais uma carência humana, ou seja, a religião não faria parte da nossa superestrutura racional, mas, da nossa estrutura afetiva. Confundindo isto, torna-se possível eliminar/matar o que não está de acordo comigo, o que no fundo, está muito errado.
De forma similar a modernidade humana vive confundida em relação a nossa infraestrutura natural, querendo sempre relegá-la a um segundo plano, isto ocorre toda vez que o paradigma econômico (da superestrutura racional) é sobreposto a vida natural e orgânica de qualquer espécie viva – o que inclui o Planeta Terra como ser vivo – e não apenas a própria espécie humana, o que já é um absurdo por si só.
Enfim, não termos clareza destas nossas condições - natural (infraestrutura), afetiva (estrutura) e racional (superestrutura) – representa uma tremenda “involução da nossa espécie”; que me perdoe o racional Darwin, que pesquisou e explicou uma das nossas condições, mas deixou as outras de lado. Assim como, Descartes e Kant também o fizeram muito bem em relação a nossa razão/ao nosso pensar, mas não consideraram as demais condições humanas.
Costumo citar o átomo, com seus três anéis em constante movimento, como símbolo para representar estas três condições do humano. Condições também em permanente movimento na vida de cada pessoa, gerando o núcleo de energia/vida no indivíduo.
Tércio
Inácio
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