Crônica: NÃO DESEJAMOS O OUTRO, DESEJAMOS O QUE SENTIMOS NA RELAÇÃO COM O OUTRO
Crônica
NÃO DESEJAMOS O OUTRO, DESEJAMOS O QUE SENTIMOS NA RELAÇÃO COM O OUTRO
Se para Freud até o sonho tem umbigo, imagino como seria o umbigo da nossa condição afetiva. Aliás, há muito venho pensando que o umbigo - e não o coração – deveria ser o símbolo que representasse nossa afetividade. Além disso, ele tinha (quem sabe ainda tenha) ligação direta com o teu sistema nervoso, logo, com todo o nosso corpo.
E, como diz o velho ditado popular: “pare de olhar para o próprio umbigo”. Entretanto, penso que há um grande equivoco nesse ditado, pois acredito que, só quem olha para o “próprio umbigo” conseguirá, quiçá algum dia, ir além do próprio umbigo, do “umbigo afetivo”, inclusive. Em outros termos: quem não se suporta, jamais conseguirá considerar o outro como outro, ou, conforme Kant, como fim em si mesmo e não apenas um meio.
E foi olhando para o próprio umbigo que percebi a dura verdade expressa no título. “Verdade tão verdadeira” que alguns, ou melhor, muitos, só ao ler o título já saíram na defensiva, sem, nem ao menos, terem espiado o próprio umbigo afetivo. Outros, simplesmente, pela profundidade da “acusação” expressa, nem conseguiram entender o que foi dito. E claro, a grande maioria, se entulha com muitos afazeres diários para não ter tempo de olhar para o próprio umbigo, inclusive, aqui se enquadram muitos psicólogos e psicanalistas, com suas agendas cheias até no sábado e até altas horas da noite. Nada mais cômodo e ilusório do que o falso altruísmo.
Pior do que isso, só o falso altruísmo dos pais – claro que há exceções - ou seja, têm filhos, mas só para sentir o que sentem em relação a si mesmos, a própria paternidade e maternidade, tornando os filhos um meio para se sentirem bem, realizados, enquadrados socialmente, ter uma garantia para velhice... Isto sim deveria ser classificado como o “pecado original”.
Aliás, antes dos filhos vem a relação de casal - me perdoem os românticos de plantão, ou melhor, as românticas – mas esta relação também não vai muito além do próprio umbigo e como o título já evidencia, o que interessa para cada um é o que se sente ao estar com o outro. Em termos mais reais: ninguém te ama, mas, quem está com você o faz por “se” sentir bem, se sentir vivo (mesmo que seja sofrendo, apanhando...), simples, interesseiro e duro assim. Eis outra condição humana, que tão pouco consideramos, apesar dela nos conduzir em nossas existências, qual seja, que cada um nasce vazio de autoestima/de estrutura afetiva e em vez de erigi-la durante esta existência, acaba entulhando este vazio com outras coisas, inclusive com pessoas.
Mas enfim, a tua vida é tua, assim como o teu umbigo afetivo também é só teu; nem eu, nem tua esposa ou marido, nem teus filhos, nem teu patrão, até mesmo, nem os deuses podem mudar essa tua realidade/condição. Alguns podem te ajudar nesse processo – assim como outros podem te atrapalhar – mas, ao final e ao cabo, o teu umbigo é só teu, assim como o que você sente só você pode sentir, ou melhor, ninguém pode sentir por você. A tua estrutura afetiva é só e apenas tua.
E mais, só depois de erigir esta tua estrutura/autoestima é que seria/será possível considerar o outro como outro, como fim em si mesmo e não como meio para te fazer sentir o que queres ou não queres sentir.
Tércio
Inácio
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