ENSAIO: RECALQUES DA/NA PANDEMIA

 

ENSAIO:

RECALQUES DA/NA PANDEMIA

Que a pandemia é uma tragédia para a humanidade, não resta dúvidas (para os que pensam com o cérebro; já para os que pensam não sei com o que, ela não passa de uma gripezinha). Inclusive, em outra crônica, falo em ano II d.C, ou seja, que estamos no ano II depois do Coronavírus, de tão grave que é a nova situação humanitária; nova porque entramos na era virulógica, era na qual qualquer país pode fazer estudos e manipular, ou, no mínimo, armazenar o vírus que causará mortes, estragos e prejuízos em qualquer lugar que seja largado. E, infelizmente, Hobbes tinha razão ao afirmar que o homem é o lobo do próprio homem.

Entretanto, a minha intenção com este é outra, ou seja, dentre as inúmeras conseqüências devastadoras desta pandemia, temos várias que ainda nem começaram a aparecer. Vou  tentar explicar bem, pois a questão é tão sensível como fora a questão da apresentação do heliocentrismo para Galileu, que foi acusado de heresia e obrigado a se retratar, por apresentar uma “outra” versão dos fatos.

Devido a pandemia, houve a necessidade de cancelamento das aulas e de enormes restrições à vida social, as famílias foram obrigadas – isto mesmo, obrigadas – a conviverem mais tempo juntas, em casa, situação, na maioria dos casos, mais desafiadora do que o próprio coronavírus. Tão desafiadora que muitos, sobretudo pais e filhos adolescentes, preferem “fugir” de casa e arriscar-se com o contágio, do que ter que ficar em casa. Evidente que muitos pais precisam sair para trabalhar, mas, muitos também poderiam ficar em casa, sobretudo os adolescentes, mas, e a maturidade para este desafio. Sim senhores e senhoras, é um desafio. Ao menos, ao lerem isto, podem admitir para si mesmos que é um desafio conviver em família; não sofrerão coação social, cultural ou religiosa  por serem sinceros consigo mesmos. Quantas mães estão adoecendo – e irão adoecer - por simplesmente não poderem dizer que os filhos as estão enlouquecendo. E esta pressão é mais interna do que externa, afinal, como uma mãe pode admitir que o tal do “amor incondicional de mãe” não é tão incondicional assim. Mais difícil do que isto seria a constatação de que muitos filhos são apenas gerados para dar sentido a vida dos pais, não o inverso, mas, isto é muito pesado em nosso mundo humano demasiado carente de ilusões, mundo de pessoas ainda "primitivas" em sua "estrutura afetiva".

Eis a sensibilidade que a questão evoca, ou melhor, quantas mães/pais não podem dizer, nem ao menos pensar, que seus filhos estão sendo um incômodo neste período, que a vida em família é um tremendo desafio e que tem pouco a ver com as ilusões que os filmes e as novelas apresentam. Calma mãe, não precisa ir confessar isto ao padre, nem procurar um terapeuta, mas também, não recalque isto por ilusórios princípios morais. Aliás, saiba que os vizinhos não estão preocupados com você; assim como todos nós, cada um só se preocupa consigo mesmo, no máximo com a própria família. Entretanto, isto equivale ao geocentrismo, ou seja, a concepção de mundo em que a Terra/ou você seria o centro, em torno do qual tudo giraria.

Inclusive, a pandemia nos mostra que é o Sol/a vida humana que é o centro, a referência, em torno do qual tudo deveria girar. Não sairemos desta como países, muito menos como indivíduos/famílias, só seria possível sair desta era virulógica como humanidade, entretanto, infelizmente, não temos maturidade para tanto. Evoluímos apenas tecnicamente/racionalmente/ilusoriamente, mas humanamente/afetivamente evoluímos muito pouco. Ou, como costumo dizer: seguimos, a grande maioria, "analfabetos afetivos".


   Tércio Inácio

 

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