Crônica: O MITO DO MITO DA CAVERNA

 

Crônica:

O MITO DO MITO DA CAVERNA

Platão, filósofo grego do ano 348/347 a.C, apresentou o Mito da Caverna, uma metáfora de caráter filosófico-pedagógico que exibe um diálogo entre o seu mestre Sócrates e o personagem Glauco, um jovem aprendiz. Na verdade, é mais uma alegoria do que propriamente um mito.

Lembrando, em poucas palavras, que o mito descreve um quadro em que pessoas estão presas contra um muro, por correntes, no interior de uma caverna (desde o nascimento) e que passam todo tempo tendo que olhar para a parede do fundo. Nesta parede são projetadas sombras, devido a luz de uma fogueira na entrada da caverna, sombras de estátuas representando pessoas, animais, plantas e objetos, assim como representando cenas e situações do dia a dia que ocorrem fora da caverna, no mundo real. Os prisioneiros que somente enxergam as sombras contra a parede acabam como que atribuindo vida real as sombras, ou ainda, concebendo as sombras como parte da vida deles, vida que ocorre apenas dentro da caverna.

Através desta alegoria, ou mito, Platão  procurou apresentar a sua teoria dualista, distinguindo entre mundo das ideias e mundo dos sentidos, ou melhor, como, durante a nossa vida, é possível captar a existência do mundo sensível (conhecido através dos sentidos) e do mundo inteligível (conhecido somente através da razão).

Considerando a teoria platônica da vida dentro da caverna e da vida fora da caverna, assim como o mundo sensível e o mundo inteligível, e considerando a nossa condição afetiva de seres humanos, parece razoável aventar que Platão também estava preso e acorrentado, iludido com o seu mundo das ideias, de tal forma que o considerava como o mundo real e perfeito.

Felizmente, já em tempo, foi-nos possível perceber que o mundo das ideias é muito mais ilusório, geralmente, do que mesmo aquelas sombras projetadas na parede da caverna. Basta verificar algumas tragédias provocadas pelas instituições religiosas, em nome de ideias/recompensas imaginárias (com este questionamento não me refiro aos ensinamentos originais de Buda, Jesus ou Maomé, por exemplo, que tentaram ensinar o oposto, em grande medida).

Partindo da nossa condição humana afetiva, me parece necessário ater-nos mais ao mundo interior da caverna e menos ao mundo exterior das ideias. Não que seja possível suspender um ou outro, aliás, a nossa vida se dá no movimento continuo entre ambos e não como imaginava Platão, de que o mundo das ideias era o mundo perfeito a ser buscado (isto até parece ter semelhança com o que as religiões pregam, ou melhor, de que a “salvação” está e vem de fora).

Entretanto, precisamos imergir mais para dentro de nós, para nossa condição afetiva (condição que é de cada indivíduo, afinal, ninguém pode sentir por mim; eu preciso sentir por mim mesmo; ninguém pode experimentar os meus sentimentos...). Inclusive, não há sentimento de casal, mas, há o sentimento de cada um numa vida de casal. Cada um precisa fazer as suas próprias experiências afetivas. De forma que a caverna poderia muito bem representar a minha vida interior, a minha condição afetiva. Logo, quem tem medo desta imersão, na sua caverna afetiva, não tem condições e maturidade suficiente para uma vida equilibrada fora da caverna, com os outros, inclusive, para uma saudável vida no mundo das ideias platônico.

No interior da caverna há sombras e correntes – e ideias - mas, também é lá que você pode se encontrar e se erigir como indivíduo afetivo e real, indivíduo que não precisará usar os outros e nem sobreviverá a partir de ilusões e “ideias perfeitas”.

 

   Tércio Inácio

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